A imagem reinterpretada na intimidade das crônicas de Mariana Ianelli

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A imagem reinterpretada na intimidade das crônicas de Mariana Ianelli
Mariana Ianelli, a imagem da intimidade

Nas coletâneas Breves anotações sobre um Tigre e Entre imagens para guardar, a cronista Mariana Ianelli traça a imagem de um caminho próprio

Mariana Ianelli
Mariana Ianelli, a imagem da intimidade


O que uma imagem diz para você?

Uma imagem nos remete às lembranças. Sejam pessoais, catalisadas por um gatilho visual, ou aquelas que nos fazem lembrar de um significado específico, ligado a um estudo em particular. Nas coletâneas Entre imagens para Guardar, desse ano, e Breves Anotações sobre um Tigre, de 2013, ambas publicadas pela Ardotempo, a cronista Mariana Ianelli descreve um caminho próprio potencializado pela sensações das imagens (re) visitadas.

São cenas íntimas das relações familiares. Elas incluem a busca pelos detalhes de uma casa, a reação de alguém após se deparar com uma planície durante uma refeição. Também quer saber qual é o traço raro de um tigre, e o que um gato está fazendo na estante, talvez tenha ido fuçar quais autores convivem nesse espaço tão particular, às vezes em cenas inimagináveis fora desse ambiente.

Também são notáveis um origami em um casaco roxo, a imagem de uma mulher descobrindo a maternidade; o olhar para uma vó durante a leitura, antes dessa lembrança ser compartilhada com os demais por meio de um quadro, despertando perguntas ao virar a página.

Há uma menina que medita, um entardecer de sábado, a insatisfação com o que a cronista chama de a vida em suas versões oficiais. Pelas linhas de Ianelli, é como se existissem duas versões da imagem do Nosferatu: uma de quando a autora era mais nova e uma que chegou em uma exposição. Sabemos de uma Clarice Lispector pintora, embora esse lado nem sempre receba os olhares mais simpáticos de quem a julga conhecer.

O convite à imagem reinterpretada 

Parte considerável das crônicas de Mariana Ianelli está na cultura, seja qual for. É um misto de reinterpretação e até questionamento do que se adquire. Não há descarte ou substituição de uma forma por outra, e sim uma reorganização íntima do seu espaço e importância. A cronista não se prende a uma escola específica nem se vale de possíveis clássicos. Sua prosa é mais lírica e até investigativa do que informativa, dosando as potenciais imagens criadas a partir das palavras. A ideia é uma conversa a partir de uma obra, sem entregar de cara o tema na mão de quem lê.

A mais evidente é a cultura visual, realçada pelas ilustrações em ambos os livros. As capas são de Arcangelo Ianelli e os desenhos internos de Alfredo Aquino, avô e pai de Mariana, respectivamente. Enquanto as de Arcangelo brincam com as formas, as ilustrações de Aquino complementam as crônicas, somando à unidade apresentada pela presença escrita e visual da família. As crônicas desse ambiente podem nos fazer lembrar das nossas próprias histórias familiares, pela possível identificação a partir do prosaico em um texto tão relaxado O que essa imagem diz?quanto um entardecer, e também pelo que não é contado à mesa da janta.

Esse toque visual aparece até nas crônicas que não têm uma imagem como tema. Deve ser a explicação para uma volta no Quarteto de Sombras, fina costura entre autores que vai além da estética. E também fica fácil imaginar O nosso lado escuro à solta, um expurgo ritualístico para as horas apagadas do cotidiano.

A trilha sonora dessa leitura pode ser o que você quiser, mas pode topar uma indicação – ou melhor, uma indagação – de um senhor distinto chamado Leonard Cohen, multifacetado como um caleidoscópio. Dá para imaginar qual seria a melhor imagem para representar um século de Ernesto Sabato, e também a carranca de José Saramago ao perguntar o que fizeram dele.

 Breves anotações sobre um Tigre, de 2013, reúne crônicas do Vida Breve, entre setembro de 2010 a junho de 2011. Já Entre imagens para Guardar contém publicações no Vida Breve e na Rubem, entre 2013 a 2017. Atualmente, Mariana Ianelli colabora quinzenalmente com a Rubem. Ela também escreveu oito livros de poesia, entre eles Tempo de Voltar, de 2016, também pela Ardotempo, O amor e Depois (2012), Almádena (2007) e os demais anteriores pela Iluminuras. À maneira da produção focada nesse texto, as poesias dela também dialogam com a intimidade.

 

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