A delicada costura de Nossa Senhora d’Aqui

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Nossa Senhora d’Aqui  é um romance em que o ritmo não é inocente

luci
Os acontecimentos apenas são sem indícios de temeridades – assim o livro se entrega em seu começo, ou melhor, em sua bula. Essa (suposta) ausência de temeridades é a introdução do romance Nossa Senhora d’Aqui da curitibana Luci Collin, mas ambas palavras – introdução e romance – são apenas vícios frágeis de classificação que caem durante a leitura.

Seguimos sem instruções de uso, mas se existissem não ajudariam a desvendar a mente de Frau Homera Kortmann, personagem presente nos trechos iniciais. As descrições sobre ela, em falso deboche, já indicam o tom da narrativa onde fala e pensamento dos personagens se misturam em frases que remetem diretamente à linguagem coloquial falada.

Aí me vi naquela situação de enviar currículos… imagina, depois de todos aqueles anos de casamento…mas o papai – já com certa idade – tinha amizade antiiiiiiiiiiiga com um general. O general Virgílio Bittencourt. (Bem devagar): O Sr Co-nhe-ce o Ge-ne-ral Vir-gí-lio Bittencouuurt? (p.12)

nossasenhoradaqui
Editora Arte e Letra

Se um romance ordenado e com personagens claros de intenções camufladas já esconde muito, permitindo a nossa leitura e imaginação escrever um ‘segundo livro’ a partir de um original, este dá espaço para no mínimo dois. O enredo, uma vez descoberto, é simples e pode criar uma dúvida de ‘como não foi percebi isso antes’; a maneira de contar é que prende e até força a reler alguns trechos para captar melhor o quanto pequenos acontecimentos do cotidiano escondem.

A autora brinca de Lego com forma e conteúdo, característica presente em outros livros seus, feito a seleta de contos Acasos Pensados. Pode parecer difícil devido a tantas instruções retiradas, e faz parte do jogo: é como se Nossa Senhora d’Aqui tivesse sido escrito para que você monte uma narrativa em vez de seguir uma ordem pré-determinada.

Colagem, fluxo de consciência, breves citações a outros autores, a divisão dos capítulos e sutis detalhes visuais compõem uma costura delicada com algo novo para notar a cada vez que se lê, principalmente a partir da segunda metade do livro onde há mais pistas espalhadas. A mais óbvia: “O ritmo nunca é inocente”. Neste livro, sequer a leitura é.

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