Além do filme: o Jurassic Park de Michael Crichton

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Poucos sabem, mas Jurassic Park existiu primeiramente como um livro escrito por Michael Crichton, somente tempos depois foi adaptado para o cinema pelo diretor Steven Spielberg
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Penso que Jurassic Park é um daqueles exemplares de cultura pop que, mesmo depois de décadas do lançamento, persistem na cabeça das gerações a eles expostas. Eu, por exemplo, cheguei a ver o filme no cinema, ainda pequena, e a sensação foi quase como a de ter adrenalina diretamente injetada nas minhas veias, lançando-me em uma jornada que faria meus pais se descabelarem durante os meses seguintes, comprando absolutamente qualquer brinquedo que vagamente lembrasse um dinossauro. Adulta, ainda penso em Jurassic Park com aquela mesma empolgação; aos 28 anos, 22 anos desde a estreia do filme, ele se mantém firme no meu cânone pessoal de cinema. E, apesar da história de amor que vivemos, o que eu ignorei por muitos anos, e que muitos que foram crianças quando eu fui também ignoraram, é que Jurassic Park, antes de ser um filme, existia como livro.

MichaelCrichton
Michael Crichton

Michael Crichton, o autor (falecido em 2008), sempre manteve presença nas listas de best-sellers dos Estados Unidos. Fora de seu país, acabou mais conhecido pelas adaptações cinematográficas derivadas do que escreveu. A citar outras: O Enigma de AndrômedaCongoEsfera. Embora jamais um nome muito famoso no Brasil, o alcance que Jurassic Park conseguiu no mundo inteiro, mesmo cá nas nossas terras, é tão significativo que parece apenas justo recebermos uma edição em português da história original, publicada aqui pela editora Aleph, este ano.

Fãs de Jurassic Park vão avançar sobre as cópias pelo fator Jurassic Park, que foi especialmente renovado com a estreia de Jurassic World; os mesmos fãs de também podem estranhar algumas discordâncias entre literatura e cinema.

A história segue o mesmo esqueleto reproduzido no filme: um magnata excêntrico decide convocar um grupo de cientistas para avaliar o parque que deseja abrir para o público. A revelação do que de fato se entende como atrações do mesmo parque não nos toma surpresos, e são óbvios os motivos, mas Crichton decide construir suspense em cima do tema, construir um thriller no lugar de uma aventura para a família, enveredando, assim, por um caminho quase contrário ao do filme, marcando desde cedo as diferenças entre as páginas e a tela. E embora muitos dos nomes sejam imediatamente reconhecíveis, como Dr. Grant, Ian Malcolm, Ellie Sattler, descobrimos, por vezes, personagens drasticamente diferentes daqueles que aprendemos a amar: a exemplo do catalisador, Hammond, que deixa de ser o avô cheio de boas intenções, ainda que fatalmente ingênuo, e se transforma em um antagonista corporativo, muito mais interessado no lucro que pode obter do que com os possíveis riscos que o parque representa; coisa que a maioria de seus convidados percebe tarde demais, quando uma sabotagem coloca a vida de todos em perigo, obrigando-os não apenas a lutar para sobreviver, mas também a tentar impedir que as criações de Hammond, como uma epidemia, como o Caos de Ian Malcolm, se espalhem para lugares além da ilha.

JurassicPark
Jurassic Park (Editora Aleph, 2015)

Há de se dizer que o livro oferece uma visão mais cínica do que a do cinema. Aqui, a vitória da natureza, os resultados da interferência do homem no ambiente não são tratados como uma justiça poética, mas como uma profecia apocalíptica. Não é dizer que a versão literária seja pior, é dizer que são diferentes, desde o gênero que mais confortavelmente exploram à caracterização de alguns dos personagens.

Mantém-se o fato, porém: se Jurassic Park se tornou parte da cultura ocidental, de alguma forma, foi por causa de Spielberg, sim; mas também por causa de Crichton, que ofereceu a ele as chaves do mundo que começou a construir.

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