‘As horas’ marcadas por memórias, relacionamentos e solidão

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Relações conturbadas, a solidão do presente, o medo do futuro, o desejo de liberdade são questões presentes na vida dos personagens de As horas, de Alex Andrade

As horas (Editora Penalux, 2016)

Os contos do livro As horas (2016), do carioca Alex Andrade, mostram aos seus leitores que a literatura e a memória sempre andam de mãos dadas.  Os personagens sempre estão fortemente ligados às suas memórias, que mostram quem eles são, suas origens, seus relacionamentos amorosos, suas dores e medos. Por sua vez, o presente dos personagens, em grande maioria, é marcado pela solidão, pelo medo da morte e pela angústia de viver esperando por dias melhores.

O conto “As horas” que abre o livro tem como tema uma relação amorosa, permeada por discussões, brigas, álcool e drogas, na qual os personagens têm uma interminável obsessão por ferir um ao outro. É em meio a esse relacionamento conturbado que um dos personagens mostra uma relação forte com o tempo e com as memórias de um passado recente, e desse modo olha o relógio com firmeza, querendo parar o movimento dos ponteiros e adiar o fim.

“Poema”, por sua vez, é uma narrativa que tem ecos clariceanos, pois a personagem, que carrega o nome do conto, é uma mulher simples, sem escolaridade, que veio ganhar a vida em uma grande metrópole. Uma mulher feia, magra e sem sorriso nos lábios, segundo o narrador, que nunca foi amada, nunca soube realmente o que é o amor. No entanto, quando encontra um amor, percebe que ele lhe cai bem e passa a ver que a vida pode ser repleta de poesia, mesmo para uma moça com sua simplicidade.

“Chuva” é uma narrativa forte, sobre uma mulher, sobre relacionamentos, sobre o medo da solidão. Uma mulher confessa que gosta de ser livre, de acender seu cigarro e cantarolar pela casa. Enquanto chove, pensa sobre sua vida e suas decisões, mas se vê perdida em um relacionamento que tem lá suas pequenas prisões, que não a permite ser livre. Uma das questões apontadas é que a mulher promete ao seu companheiro que vai parar de fumar, para que assim ele fique mais tempo ao seu lado, em seus braços, mas isso parece ser prometido por puro medo da solidão. Ela sabe que jamais perderá o vício. Ao mesmo tempo, a narrativa se mostra confusa, mergulhada em um turbilhão de memórias da personagem, que apresenta outra versão de sua história, na qual ela não deixa de fumar e não se importa com o olhar reprovador de seu companheiro.

“Dança comigo”, por sua vez, é um conto sobre o “se” e sobre a idealização de um relacionamento amoroso. Sobre o possível futuro que teríamos caso tomássemos algumas iniciativas na vida, como por exemplo tirar alguém para dançar. O “se”, caso fosse realidade, poderia fazer com que nossas vidas fossem diferentes, talvez felizes e repletas de sonhos realizados.

Outra narrativa semelhante é “Mesmo que você morra, me avise”, na qual uma personagem passa horas refletindo sobre o “se”. Quando uma mulher, aparentemente muito culta, revela seu amor a um homem mais jovem, ele desaparece por dias, então ela passa horas fazendo questionamentos: e se ele não voltasse? e se ele estivesse cansado das histórias, dos livros e dos sonhos? Ela fica sempre à espera de. À espera de que o homem volte, de que acabe com sua solidão, de que eles sejam felizes.

Os contos “A menina nua” e “Tá vendo a vida lá fora” também dialogam de certa forma. No primeiro, temos uma menina que precisa vender balas no trânsito para ajudar no sustento da família, mas que na verdade ganha muitas de suas moedas de um senhor, que sempre a aborda, pede que ela entre no carro para que ele possa tocá-la. Mas a menina tem sonhos, não quer passar a vida vendendo balas, quer conhecer o mar, quer ser livre, quer viver. Já no segundo conto temos uma senhora adoentada, que vive dentro de um apartamento, mas que frequentemente conversa consigo mesma desejando ir lá fora, ver o dia, ver as pessoas, ser livre, amar e aprender novamente a se amar, isto é, enxergar-se enquanto uma mulher que tem desejos e sonhos. Ambas as personagens, embora tenham idades completamente diferentes, buscam fugir da rotina de suas vidas, das prisões nas quais estão inseridas, querem viver e buscar a liberdade.

Alex Andrade

Além dos contos mencionados, há outros no livro de Alex Andrade igualmente interessantes. Neles, não só as memórias, a angústia do presente e o medo do futuro são temas fortes.  As narrativas mostram o peso da existência em vários estágios da vida, existência esta que leva os personagens a escolhas complicadas, que por vezes não somos capazes de compreender – nem mesmo fora da ficção.

Além disso, vale mencionar que, em meio a reflexões e divagações dos personagens das narrativas, há muita música e citações literárias que fazem com que memórias venham à tona de uma maneira artisticamente bela nos contos de Alex Andrade. Álvaro de Campos, Caio Fernando Abreu, João Gilberto, Noel Rosa, Nelson Cavaquinho, entre outros, são exemplos de artistas citados nas histórias impactantes de As horas (2016).

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