Bob Dylan, Nobel de Literatura 2016 ou os tempos, eles estão mudando

0

Porque o compositor americano Bob Dylan mereceu o Nobel de Literatura em 2016

bdn

* Este texto foi escrito por um grande fã de Bob Dylan em um dia muito feliz. Por favor, perdoem qualquer exagero.

Em 2015, pouco antes do anúncio do prêmio daquele ano, escrevi um texto sobre o assunto (para lê-lo, clique aqui). Há muitos anos, acadêmicos em volta do mundo, têm feito certo lobby para que Bob Dylan recebesse o prêmio. Sua obra é estudada enquanto corpo importante da literatura em universidades americanas desde meados da década de 1990, focando principalmente sua interação e influência com Walt Whitman e os poetas simbolistas franceses.

Mas isso não faz com que alguém seja merecedor de tamanho reconhecimento, então vamos aos fatos.

Segundo a Academia Sueca, Bob Dylan ganhou “por criar novas expressões poéticas na canção norte-americana.”

Nada mais verdadeiro. Não há como falar sobre o impacto da canção da década de 1960 no mundo, a influência da canção americana em especial, sem dedicar um bom punhado de linhas a ele. Dylan é o ponto de contato de uma tradição folk que teve seu auge em Woody Guthrie, ídolo do jovem Robert Zimmerman, e a canção pop rock da contracultura. A influência dentro e fora dos Estados Unidos não pode ser mesurada de forma tão simples e continua a atingir as gerações mais jovens pelo mundo todo. Um exemplo de sua influência aqui no Brasil pode ser visto em regravações e homenagens de cantores e compositores nacionais como Zé Ramalho, Belchior, Humberto Gessinger, Caetano Veloso e Renato Russo.

Suas canções misturam versos folk e simbolismo francês e ainda dialogam com grandes poetas da língua inglesa como Walt Whitman, Allen Ginsberg (amigo pessoal e grande influência), Alfred Lord Tennyson (afirmação feita por Seamus Perry, professor de Oxford).

Bob Dylan fez de tudo nesses cinquenta anos de carreira, passando por várias fases, algumas inclusive contraditórias – para entender esta parte, recomendo fortemente o filme Não estou lá, de Todd Haynes, no qual ele consegue apresentar de forma brilhante todos os momentos da carreira de Dylan. Canções como Blowin’ in the Wind e The times They are a-changin’ se tornaram símbolos da luta por direitos civis e do sentimento antiguerra da época. Hurricane mostra o mais uma vez o lado engajado do compositor no meio da década de 1970 numa canção/narrativa de oito minutos sobre a prisão do boxeador Rubin Carter. A famosa Like a rolling stone marcou uma geração tanto pelo seu lirismo quanto pela sua grande gama de interpretações (Amor? Ressentimento? Desilusão?). Knockin’ on Heaven’s Door narra a morte do xerife do filme Pat Garrett & Billy the Kid (um dos ídolos do jovem Bob Dylan). I want you é uma balada ao mesmo tempo singela e metafórica que ganha a todos. Pressing On mostra a era católica do compositor misturando sentimento messiânico, de salvação e lirismo bíblico. Things have changed, trilha do filme Wonder Boys e ganhadora de um Oscar por melhor canção original, mostra um homem envelhecido lidando com um dos temas mais caros a todos os grandes poetas: a passagem do tempo e as mudanças que ela nos impõe.

Caso ainda queiram mais, Dylan tem um livro interessantíssimo de poesia chamado Tarântula no qual figuram poesias simbolistas alegóricas, por vezes surreais, escritas durante a década de 1960. Além de Crônicas volume um (nunca houve um dois) no qual ele narra algumas passagens da sua vida, focando na composição de certos álbuns. Enfim, ele é um grande compositor.

Você pode ter chegado aqui e já ter feito a pergunta/questionamento: ele não é um escritor. Bem, no termo duro e mais restrito do termo, não, ele não é um escritor. No entanto, negar a beleza e a importância da sua obra seria injusto. Nada contra as reclamações, justas, sobre os autores americanos que não receberam o prêmio mais uma vez (Don DeLillo, Thomas Pynchon, Philip Roth, Alice Walker), nem sobre outros tantos autores, principalmente negros africanos, que ficaram de fora. Em contraponto, ponho que a Academia Sueca quis mostrar de forma didática que a Literatura não está restrita aos gêneros tradicionais com os quais estamos acostumados a lidar (narrativas, poesias e teatro).

Em resumo, The times They are a-changin’.

Não há posts para exibir