Caravana Rolidey: a literatura na estrada – Entrevista com Erre Amaral

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Imagine só se uma caravana colocasse a literatura na estrada e a levasse às cidades mais diversas do país. Imaginou? Pois bem, conheça a Caravana Rolidey

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Temos milhares de escritores no Brasil, milhares de livros publicados, mas ainda assim a literatura parece não circular no país todo, principalmente nas pequenas metrópoles. Qual será motivo? Geralmente, os escritores e livros que circulam são aqueles que já têm um nome reconhecido no mundo literário e que são publicados por grandes editoras. De qualquer modo, essa literatura dita “mais conhecida” ainda não parece realmente circular em muitos lugares. Imagine, então, a literatura distante do círculo literário das grandes editoras, os autores que publicam de forma independente.

A literatura precisa chegar aos mais diversos leitores e  possíveis leitores. O ato de ler literatura não precisa  ser algo isolado, solitário. A literatura precisa ser compartilhada e celebrada,  só assim ela poderá circular em diversos locais do país, tanto nas grandes cidades quanto nas pequenas. Nos perguntamos se seria possível mesmo celebrar a literatura e divulgar escritores que estão fora daquele eixo das grandes editoras nacionais. Sim, é possível, e isto existe.

Conheça a Caravana Rolidey, responsável por levar a literatura aos mais diversos locais do país, como uma espécie de festa literária sem grandes luxos e “estrelismos”, como nas gigantescas feiras literárias.  O Homo Literatus conversou com Erre Amaral, autor dos livros Le mot juste e Uma Denise e professor na UFVJM. Ele nos deu os detalhes sobre o que é a Caravana, como surgiu essa ideia e como ela funciona. Confira!

 

Erre Amaral, o que é a Caravana Rolidey: quem são os idealizadores e como surgiu essa ideia?

Há três anos coordeno em Diamantina-MG o projeto de extensão Café Literário. Trata-se de um projeto em que eu recebo escritores/as e poetas de diversas partes do Brasil para lançamento de livros e de bate-papo literário. No início deste ano (2015) me lancei ao propósito de conhecer o trabalho literário desenvolvido por meus amigos e amigas desde os lugares onde residem. Surgiu assim a ideia de criar um projeto que lidasse com a ideia  de circulação de literatura, algo como “escritores e poetas na marcha”, como li em El último lector do Ricardo Piglia, quando ele se refere ao “leitor em marcha” que foi Che Guevara. A princípio, o nome do projeto seria “Bye Bye Brasil”, mas quando assisti ao filme outra vez, não tive dúvida, o nome seria Caravana Rolidey, o epíteto que o protagonista do filme, Lorde Cigano, dá à sua trupe mambembe e maluca.

 

O que acontece nesses encontros da Caravana Rolidey: saraus, lançamentos de livros, mesa-redonda? Há um cronograma de atividades fixo?

Um dos princípios da Caravana Rolidey é ter agentes literários (escritores, poetas, agitadores) interessados em recebê-la em determinada cidade. A divulgação, a organização e até mesmo o alojamento dos convidados da Caravana ficar por conta dessa logística local. Dessa forma, há uma variação nas atividades realizadas pela Caravana, conforme a programação proposta pelos anfitriões. Atividades como lançamento de livros e debate-papo literário são constantes, porém, conforme a viabilidade, é possível realizar oficinas literárias. O sarau literário acompanhado de show musical também depende da disponibilidade dos organizadores locais. O cronograma da Caravana é realizar uma viagem mensal a uma determinada cidade.

 

Qual literatura é essa levada pela Caravana Rolidey ao público: quais são os autores e livros escolhidos para cair na estrada? E quais são os motivos que levam a essas escolhas?

A literatura que a Caravana Rolidey faz circular em suas viagens é aquela que acontece um tanto distanciada do circuito, digamos, midiático e pomposo das letras nacionais. Os escritores e poetas que acompanham a Caravana publicaram seus livros em editoras independentes e há casos, inclusive, de autores que ainda nem foram publicados. Enquanto política cultural, a Caravana Rolidey tem como objetivo claro a manifestação e não o sistema, a celebração e não a projeção, a generosidade e não a soberba, o encontro e não o individualismo. Os/as autores/as que acompanham a Caravana são aqueles e aquelas que estão dispostos/as a gastar com passagens aéreas e/ou terrestres, com a alimentação e a farra, só pelo prazer de encontrar bons e boas camaradas e conversar longamente sobre literatura. Não se duvide, existem muitos malucos e malucas que topam com alegria tal investimento afetivo-literário, graças a Deus!

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Erre Amaral | Foto: Francisco Xavier

 

Em quais lugares a Caravana já esteve?

A primeira viagem da Caravana Rolidey foi em fevereiro deste ano (2015) e eu a realizei solitariamente. Viajei até Padre João Afonso, distrito de Itamarandiba-MG. Uma experiência realmente incrível! Chegar àquela comunidade e ser recebido por sessenta e seis pessoas, entre crianças, jovens e adultos, foi uma estreia de projeto realmente magnífica! Em abril, acompanhado pelo escritor santista Manoel Herzog, fiz a Caravana rumar para Vitória-ES. Lá, fomos recepcionados pelo escritor, dramaturgo e editor Saulo Ribeiro. Realizamos lançamento de livros no Grappinos Bar, participamos de mesa-redonda ao lado do poeta Orlando Lopes, com a mediação da blogueira e agitadora literária Lívia Corbellari. Em maio, a Caravana Rolidey partiu para São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, tendo como integrantes o lorde cigano Erre Amaral, os escritores Manoel Herzog e Sérgio Fantini, a poeta Adriane Garcia e a participação especial do poeta Alisson Azevedo. Realizamos sarau na Casa de Farinha, e lançamento de livros e debate-papo literário na Casa Amarela, ambas sob a coordenação de agitadores do calibre de Akira Yamasaki, Francisco Xavier e Escobar Franelas, um espetáculo!

 

A Caravana Rolidey já levou literatura a lugares que não são regiões centrais e nem mesmo grandes cidades. Certamente há um motivo especial: você pode nos contar qual é?

Como eu disse, a estreia da Caravana foi em Padre João Afonso, distrito de Itamarandiba-MG, e, embora, estejamos visitando capitais, não significa que não iremos em direção ao Brasil profundo, aquele que tanto carece da presença da arte literária. Nesse aspecto, nós, da Caravana, tributamos esse projeto àquela máxima evangélica: levar a palavra. Sim, levar a palavra literária para quem dela precisa, ou seja, todos nós, humanos famintos pela constante alfabetização humanista, como diria o crítico francês George Steiner.

 

E como está a agenda da Caravana Rolidey?

A Caravana sai uma vez por mês. Em junho vai para Santos com um significativo grupo de escritores e poetas: Erre Amaral, Manoel Herzog, Adriane Garcia, Adri Aleixo, Norma Lopes de Souza, Wélcio de Toledo, Pedro Tostes e Eduardo Ribeiro, praticamente uma festa literária. Em agosto, a Caravana vai a Florianópolis numa dobradinha com Curitiba (a confirmar). Em setembro, Brasília. Outubro, possivelmente Recife, e, novembro, há um desejo de ir a Porto Alegre.

 

Para fechar, Erre: esse projeto de colocar a literatura na estrada ainda está no início, mas você já tem alguma história para contar dessas viagens da Rolidey? Vale contar um fato cômico, emocionante, memorável e até fofoca literária, porque a gente gosta.

Caramba, o que a gente mais coleciona nessas viagens são histórias, e das mais engraçadas, porque se há uma coisa que os rolideyanos fazem é rir, e rir a esmo! A Caravana Rolidey é pura diversão! Estou, inclusive, juntando todos os registros das viagens: fotos, vídeos, depoimentos, pois pretendo que tudo isso se transforme num belo documentário, já que, modéstia às favas, estamos fazendo história, e uma história lindíssima! Vou me ater ao relato de uma história minha em particular que ocorreu durante a minha ida ao distrito de Padre João Afonso. Comecei a ouvir MPB em 1978. Sempre que a grana dava eu comprava um LP novo. Lembro-me de, em 1979, ter comprado um álbum da Simone (quando a Simone valia a pena ser ouvida, diga-se de passagem) que se chamava Pedaços. Uma das canções do LP era “Itamarandiba”, uma composição do Milton Nascimento e Fernando Brant. A letra dessa canção teve um efeito vaticínico em minha vida, sobretudo o verso que diz “viverás em Diamantina”. Quando o ônibus se aproximava de Itamarandiba, fui tomado de uma epifania que me fez arrepiar, porque lembrei que já “conhecia” essa cidade há muito tempo, desde 1979, quando cantava os belos versos de Brant, acompanhado da bela voz do Milton. Não tive dúvida, o tema do meu bate-papo com o povo lindo de Padre João Afonso precisava tratar disso a que dei o título de “Poesia como vaticínio”. Confesso, muita coisa aprendi e reconheci no momento mesmo em que interpretava cada verso da canção para o público, sobretudo a minha relação com o sentido profundo da palavra “pedra”, presente, inclusive, no centro do meu nome completo: Roberto Antonio PENEDO do Amaral. Foi uma experiência metafísica de dar medo.

 

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Fique por dentro das atividades da Caravana Rolidey aqui. Uma hora dessas ela pode estar ao lado de sua casa.

 

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