Caso Henry Chináski fosse pego no bafômetro

0

Henry Chináski, bebida, leis e o mundo contemporâneo num só texto

enhanced-buzz-30877-1376320585-9

“As pessoas. As pessoas. E os cães” (Cartas p.16)  é a célebre frase que resume bem toda a vida do Henry Chináski: um carteiro fudido com futuras pretensões a escritor megalomaníaco (como todo escritor que se preze, claro) e grande Macunaíma do Henry Charles Bukowski nos romances Cartas na rua, Mulheres, etc. Essa é ainda a frase que poderia muito bem exemplificar o estado geral em que muitos ficam quando passam do ponto nas bebidas alcoólicas. E afinal, há muita diferença entre as pessoas e os cães?

Superando essa dúvida, vamos ao ponto: e se o Chináski fosse pego no bafômetro, em plena Lei Seca brasiliensis? “Enquanto o dinheiro durasse, você durava” (Cartas p.140), poderia responder o velho safado, mas acontece que hoje em dia não é como antes, e a Terra Brasilis resolveu fazer melhor que os Estados Unidos do Seu Al Capone, ao invés de proibir a cana nossa de cada final de semana, punir quem bebe e dirige e punir severamente, com uma moralidade que assusta qualquer brasileiro nato.

Daí, em uma investigação quase foucaultiana, poderíamos questionar: pra que tanto vigiar e punir? A lei até responde: para cuidar das pessoas. É que as pessoas, principalmente as pessoas adultas, são um perigo para elas mesmas sozinhas (como as crianças), principalmente se deixadas desamparadas de uma lei, de um pau qualquer que ameace fazê-las sangrar – na dúvida, vide a fila de um busão em horário do rush!  Mas o velho Chináski, um rebelde schopenhaueriano de Los Angeles, não está aí pra nada disso:

As pessoas são interessantes no início. Aos poucos, porém, todos os defeitos e loucuras botam as manguinhas de fora, é inevitável. Começo a significar cada vez menos pras pessoas, e elas pra mim (Mulheres p.208)

E diante de tanto niilismo, como poderia uma lei pegar? É que o problema não são as leis, as leis são porra nenhuma, a questão é justamente as pessoas… As pessoas. As pessoas. E os cães. Lembra?

Mas se beber pode trazer tanto risco às pessoas (e aos cães que moram dentro delas) a ponto de Estados se meterem na vida privada pra controlar a quantidade de drink ou os copos de Devassa que a gente bebe, por que cargas d’água as pessoas ainda bebem? O velho safado faz o seu Macunaíma responder:

Esse é o problema com a bebida […]. Se acontece uma coisa ruim, você bebe pra esquecer; se acontece uma coisa boa, você bebe pra comemorar; se não acontece nada, você bebe pra que aconteça alguma coisa (Mulheres, p. 301).

Daí, depois desse velho conto árabe, a gente bebe a valer e depois se estrepa. Não deveríamos ter medo de nos estrepar? Mas o que é o medo? Evitar uma tapa na cara agora, só adiará a tapa na cara que levaremos mais na frente e, no fim, a sociedade é tão cheia de pessoas, que talvez seja por isso que exista a lei e talvez seja por isso que não dá muito certo.

Porém, estamos aqui única e exclusivamente pra colher a opinião ilibada do velho escritor safado e rabugento que o Bukowski pariu como protagonista de alguns de seus romances, Henry Chináski e, sendo pego no bafômetro o parlapatão diria pro Seu Guarda – que aguardaria encostado à janela do carro:

As pessoas têm de achar o que fazer enquanto esperam a morte. Acho legal ter uma escolha. Eu tinha feito a minha escolha. Ergui a garrafa de vodca e dei um vasto gole. Alguma coisa aqueles russos sabiam (Mulheres, p. 307).

E damos sentido a uma porrada de coisas, damos sentido como Adão e Eva davam nomes no princípio e já se esqueciam que só o ato de dar nome demonstrava a inexatidão do próprio nome, da definição, daquela velha e kantiana coisa em si. Somos a sociedade que põe uma fé da porra na Lei Seca e somos a mesma sociedade que diz que família é só homem e mulher, brincadeira da casinha, meninos caçando a comida, meninas lavando a panela, ah, vá!

É que o mundo é um velho barco fudido em que, como diria Bukowski, “o capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio” (O capitão, p. 508).

 

Referências

BUKOWSKI, Henry Charles. Cartas na rua. Porto Alegre: L&PM, 2014.

____________________________Mulheres. Porto Alegre: L&PM, 2014.

____________________________O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio. Porto Alegre: L&PM, 2014.

Não há posts para exibir