Cidade Aberta: Julius, de Flaneur a psicólogo

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Tendo um psicólogo como protagonista, Cole perde a chance de escrever um grande romance analista da sociedade contemporânea em Cidade Aberta.

cblog_e9ea925590-thumbc Cidade Aberta, é o segundo livro do nigeriano radicado nos Estados Unidos Teju Cole, e foi lançado em 2011. O romance conta a história de Julius, nigeriano, de família alemã e de nome latino, psicólogo em Nova Iorque, na casa dos trinta anos e que vive sozinho. A personagem adora fazer seus passeios a pé, e ao fazê-lo consegue montar um belo retrato literário das imagens da cidade, lembrando inclusive o flaneur de Cesário Verde. Porém, ao passar das linhas e das páginas, a excessiva descrição da cidade e de fatos gratuitos se torna repetitivo. Contudo, nos momentos em que a personagem alça vôos maiores, contando, a partir de certa imagem, um acontecimento traçando a história da cidade de Nova York, aí sim o romance fica mais interessante e a leitura flui. Embora quando a personagem se limita ser um “simples flaneur” (perdão pelo uso do termo assim, até porque flaneur de verdade nunca relata apenas), que em suas andanças conta tudo o que vê exatamente como está, o romance cai vertiginosamente em qualidade e se torna, em alguns momentos, entediante.

O puro relato é pouca literatura. Como dizia Adorno, o romance tem que ir a campos onde o relato não se encontra. A literatura que acaba caindo apenas no relato é “ensaio para literatura” e não verdadeira literatura. Com todo o respeito aos jornalistas, literatura não é para estampar capa de jornal dizendo que esse matou aquele, conheceu aquele e se casou com aquela outra. Cada registro de linguagem tem sua função e seu valor. Se o uso do jornalismo tivesse sido previsto dentro de toda uma estrutura narrativa, com o intuito de mesclar as duas linguagens, ou fazer com que se repense os limites da linguagem literária, seria uma boa sacada. Não parece, ao menos à primeira vista, ter sido o caso.

O narrador, personagem principal, é verborrágico ao narrar os fatos, mas em suas relações pessoais é praticamente mudo. Ele escuta, registra as histórias e imagens e, tal como um psicólogo, sua profissão inclusive serve como uma via de desabafo para os imigrantes que foram para os Estados Unidos. Desvio literário ou belo retrato contemporâneo daqueles que conseguem se expressar melhor em um monólogo do que em grupo? Cada leitor que tire suas próprias conclusões. 13241_gNem um árabe pacifista leitor de Walter Benjamin e Karl Marx consegue salvar o romance do tédio.

A viagem até Bruxelas é praticamente gratuita, a não ser pelo diálogo realmente interessante e o embate entre imperialismo americano e radicalismo islâmico, onde se consegue analisar e entender os dois lados com um pouco mais de neutralidade, sem a necessidade obrigatória de escolher um deles. Dá para entender a razão do diálogo se passar na Bélgica e não nos Estados Unidos ou no Oriente, onde os árabes provavelmente teriam uma opinião muito mais radical do confronto. Assim, a Europa parece estar geograficamente no meio do caminho, e, ao menos aparentemente, ser um terreno um pouco mais neutro para a discussão daquelas personagens. O problema é que para fazer o embate na Europa e tornar a viagem mais verossímil e não gratuita, feita somente no intuito do próprio debate, Cole se estende demasiadamente.

Nos momentos em que ele escuta outras pessoas que contam suas histórias de como e porque foram para o país, a narrativa começa a ficar um pouco interessante e sair da mesmice de seus passeios pela ilha de Manhattan, de um sujeito calado socialmente, verborrágico em seu texto, mas que no fundo nunca tem muito a dizer. Julius parece se tornar pedante nas mãos de Cole.

Um romance de certa forma ingênuo e desinteressante em várias passagens – isso para não dizer longo, o que o narrador fez em mais de trezentas páginas poderia ter sido realizado em pouco mais de cem (a prolixidade é mau ou uma benção? – Daniel Galera talvez nos respondesse essa) – tanto no trabalho linguístico, que é estandardizado, quanto no nível da diegese. Julius, por várias vezes, quer mostrar uma erudição que irrita. Não parece natural da personagem, parece gratuito, é quase um “olhem, leitores, o quanto o meu personagem é inteligente e culto”. Tendo um psicólogo como protagonista, Cole perde a chance de escrever um grande romance analista da sociedade contemporânea. Em se tratando de uma narrativa linear, o mínimo que se espera é um fim nos moldes que ele propôs todo o texto.

O livro termina como se o autor simplesmente resolvesse desistir de escrever enquanto a protagonista explicava fatos da história da Estátua da Liberdade e os pombos que eram frequentemente encontrados mortos lá. Mesmo que fosse um final em aberto, seria necessário maior zelo com as últimas linhas. Com um pouco mais de paciência e zelo, Cole teria sim um bom romance, mas ficou pelo caminho.

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