Transformar clássicos em quadrinhos é diferente de adaptar Machado de Assis?

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Quando os quadrinhos penam, mesmo belos, bem ilustrados, para acompanharem o ritmo só contador (descritivo-narrativo) do autor mesmo de renome, fica um vácuo e aí a ideia que é ótima não vinga, não soma exatamente com o propósito que deveria englobar uma coisa e outra.

LiteraturaBrasileira

Em um momento importante e oportuno, tempos atrás a Editora Escala Educacional resolveu investir na Literatura Brasileira para jovens, estudantes, um importante público (e mercado), portanto: todo especial. E inventou de inventar que trabalhos clássicos e de renome de nossa historicidade lítero-cultural fossem contados ao estilo pop “história em quadrinhos”, visando assim, também, um necessário recurso pedagógico para colocar a nova geração no cerne de nossa literatura, que é de ótima qualidade e que até cai no vestibular. A ideia era boa. Mas ainda assim experimental, porque uma coisa pode não ter muito a ver com outra; primeiramente, pelo suporte denso de nossos romancistas de outros tempos, por outro lado, a linguagem que acaba ficando aquém do próprio desenho como atrativo imediatista, num primeiro momento não casando a ideia-projeto, tendo em vista as tantas novas linguagens midiáticas, em detrimento da linguagem culta e bela de outrora; o estilo ainda antigo, por assim dizer, de nossos consagrados nomes na área de letras, o que pode não cativar o leitor nem entusiasma-lo como deveria de acontecer.

Como escritor, especialista em educação e pós-graduado em Literatura na Comunicação (ECA/USP) e também e principalmente como alguém que adora história em quadrinhos até hoje, colecionador delas por atacado, resolvi de ler algumas edições da Série Literatura Brasileira em Quadrinhos, visionariamente bancada pela Escala Educacional, sediada em São Paulo, em roteiros e desenhos de Francisco S. Vilachã, que lançou A Nova Califórnia, Lima Barreto; Uns Braços, de Machado de Assis; Um Músico Extraordinário, de Lima Barreto; O Enfermeiro, de Machado de Assis, e, Roteiro de Jô Fevereiro e Cores de Jô & Ciça Sperl os trabalhos Miss Edith e Seu Tio, Lima Barreto; A Cartomante, de Machado de Assis; além de Roteiro de Jo Fevereiro e Arte Final de Sebastião Seabra em O Homem Que Sabia Javanês, de Lima Barreto. Li os trabalhos todos criteriosamente, torcendo a favor, buscando avaliar não apenas do ponto de vista de um fanático por gibis, mas, também, como professor compromissado com a educação e também como um improvisado crítico literário e teórico da educação, visando realmente avaliar honestamente prós e contras do projeto que vale a pena pela inicialização.

Embora o recurso de “história em quadrinhos,” em tese e a priori, tenha parcialmente, relativamente casado com os textos de A Nova Califórnia, A Cartomante e o Homem Que Sabia Javanês, lamentavelmente não ajudou muito em Miss Edith e Seu Tio (fraco), O Enfermeiro (Ruim), Um Músico Extraordinário (péssimo), e Uns Braços, que, então, nem valeu a pena ler na somatória do assento texto e imagens.

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Páginas da coleção (Fonte: Rascunho Incompleto)

Em alguns desses casos, os desenhos acabaram melhores do que o texto. Porque os textos em tese são antigos o desenho acabava sem muito o que mostrar de cativante, mirabolante, movimentado, ficando vazios entre movimentação da obra; a historiação propriamente dita. E o quadrinho pertinente, na mesma sequência, no entorno e na edificação da estrutura contextual do projeto como um todo ficava lamentavelmente a deriva. Uma pena. As obras teriam que ser criteriosamente escolhidas? Alguns textos teriam que ser atualizados para uma linguagem mais contemporânea do próprio público-alvo, enquanto o projeto também no enfoque de mercadoria-livro? Ao final de cada obra, o belo apanhado de cada autor, dados biobibliográficos, exercícios didático-pedagógicos recorrentes ao próprio ensino-aprendizagem da leitura (e nesse quesito o projeto é excelente). Eu só acrescentaria um glossário com palavras explicadas no rol das atividades complementares, porque muitas delas são arcaicas, estão em desuso, facilitaria uma indicação das mesmas à parte. Nesse aspecto o projeto ficou bonito e eficiente.

Ler esses textos, mesmo que fosse, por exemplo, Capitu e Bentinho de Machado de Assis, nosso melhor escritor, é uma coisa, com narrativa densa, descrição bem historiada, mas, o causo em si, o fato, o eixo central da obra, a história é muito mais rico para ler e pensar, abstrair subjetivamente e valorar toda a linguagem apurada, cult mesmo, do que propriamente para dar valor imagético contínuo e cativante no gênero quadrinhos. Até para o cinema, Capitu ou outras obras do nível não foram bem aceitas, não renderam o que era esperado, então não venderam bem, por assim dizer.

Se, por exemplo, Incidente em Antares, romance clássico de Érico Veríssimo, fosse reduzida de suas especificações introdutórios e detalhes básicos, mas o foco fosse o acontecimento central, eixo norteador aonde cai a narrativa com empolgação, talvez Literatura Brasileira em Quadrinhos tivesse mais eficácia e, claro, retorno. Nesses contos de autores antigos não funcionou.

No entanto, valeu a ideia da editora, deve insistir no projeto, depurá-lo, aprimorar tudo em todos os aspectos, não se esquecendo de também de abrir um selo editorial para novos autores, contemporâneos, ou mesmo escritores de quilate que escrevam exatamente textos jovens, para o fito literário-educacional nesse prisma, ou mesmo temáticas atuais, paulistas, por exemplo. A história tem que ser vibrante, assim a ilustração fica ágil, bonita, fácil e cativante, contextualiza, colore. Se a história é mais descritiva ou narrativa nesse nexo causal do que mirabolante mesmo (para pegar o leitor pela contação), pode até atrair o jovem para uma introdução aos clássicos num primeiro momento, mas não vai ser consistente e nem vai fazer com que o leitor-aluno goste por isso mesmo de ler nossos novelistas, romancistas, contistas.

Literatura Brasileira em Quadrinhos é uma forma diferente de releitura, por assim dizer, mas ainda não é definitiva quanto ao texto totalmente adaptado, pois, mesmo que os editores nas revistas digam que textos descritivos foram adaptados, eles têm que ser enxutos, mais contemporâneos, porque na verdade as obras clássicas adaptadas para o cinema têm uma técnica narrativa que pende para o vigoroso, começo, meio e fim, ideia central abrangente, enquanto para o teatro a linguagem é outra, mantêm-se culta, com cargo, quando para o gibi, os quadrinhos, está muito longe de ser perfeita; tem que ser, e deve ser (e pode ser) ainda muito melhorada para valer você passar para o seu filhote a ideia de se encantar com a leitura a partir desse recurso. Quando os quadrinhos penam, mesmo belos, bem ilustrados, para acompanharem o ritmo só contador (descritivo-narrativo) do autor mesmo de renome, fica um vácuo e aí a ideia que é ótima não vinga, não soma exatamente com o propósito que deveria englobar uma coisa e outra. E torcemos para que num devir funcione, atinja seus objetivos. Vai valer a pena.

Agora, falando sério, querer adaptar em linguagem popularesca e atual (o que é atual?), clássicos de Machado de Assis e outros renomados literatos Brasileiros, só pode ser piada, ou mero chulo apelo editorial. Quem seria a embusteira que se prestaria a essa vergonha? Quem é o tantã que compraria um despropósito desses?

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