Como seria O Castelo, de Kafka, escrito no Brasil?

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O livro, fosse escrito em terras brasileiras, também revelaria um autor inconformado com as autoridades reinantes e a com a ineficácia da máquina pública

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E se “O Castelo”, de Franz Kafka, tivesse sido escrito no Brasil de hoje, como seria? Certamente, os personagens e os locais teriam outros nomes, como J. em vez de K., e o título poderia ser “O Palácio”. O protagonista não enfrentaria a neve a toda hora, mas, sim, um clima seco de certo planalto. No entanto, o enredo poderia ser muito parecido com o original.

Nosso J. seria contratado pelo poder público para prestar um serviço que jamais acabaria realizando. Seria mandado de lado a outro a mercê de funcionários públicos arrogantes e ineficientes para seguir trâmites burocráticos intermináveis. Envolver-se-ia em uma trama na qual tudo gira em torno de um sistema que funciona apenas em prol de sua própria perpetuação.

O Castelo, escrito no Brasil atual, também revelaria um autor inconformado com as autoridades reinantes e a com a ineficácia da máquina pública. E, apesar de parecer não falar especificamente de nada, abordaria muitos temas delicados, entre eles: as diversas formas de se interpretar um mesmo acontecimento para obter algum tipo de vantagem; a manipulação das pessoas mais inocentes ou menos preparadas; a forma como a opinião pública interfere na vida das pessoas; os relacionamentos amorosos por interesse; a dureza e a banalidade da vida; a demagogia.

Não seria uma leitura fácil, assim como não acontece com o original. No entanto, ao final, o conteúdo discutido traria aquela sensação de dever cumprido e uma prazerosa satisfação por conhecer e, porque não dizer, dividir algumas ideias com um escritor de tamanha profundidade e sensibilidade como o foi Franz Kafka.

Não tivesse a obra sido escrita na Europa em meados de 1922, e seu autor ter morrido já há tanto tempo (1927), não seria absurdo acreditar que O Castelo se trata, nada mais, do que uma alegoria do atual sistema político das terras tupiniquins e dos serviços públicos que nela, alguns dizem, são prestados.

Segue um trecho que bem poderia ser relacionado a fatos recorrentes nas regiões mais pobres do nosso país, sobretudo em épocas eleitorais:

“E então Amália, dando mostras de uma superioridade que não lhe conhecíamos, disse que não se podia confiar demais em tais palavras dos senhores; que em tais ocasiões costumam os senhores dizer com preferência coisas complacentes, mas que isso não tinha senão pouca ou nenhuma importância; que, apenas pronunciadas, já caíam no esquecimento essas palavras, para sempre; e que assim, na próxima oportunidade que se apresentasse, já tornavam a cair em suas redes.” (p. 342)

Analogias à parte, a obra de Kafka merece ser conhecida e analisada em razão do universo que constrói desvelando da alma do homem e dos sistemas que criados para aprisioná-la.

 

Referências:

Kafka, Franz, 1883-1924.

O castelo / Franz Kafka; tradução Torrieri Guimarães. 2. ed. – São Paulo: Martin Claret, 2013 – (Coleção a obra-prima de cada autor; 255)

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