Considerações sobre Allen Ginsberg, o Poeta Visceral da Geração Beat – Vilto Reis

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Um pequeno ensaio para quem não gosta de poesia; e talvez também para quem gosta.

 

(…) O barulho do estrondo da criação adorando o seu Carrasco
O salto dos pássaros para o Infinito, latidos como o
som
do vômito no ar, sapos coaxando Morte nas árvores
eu sou um Serafim e não sei se vou para dentro do Vazio
eu sou um homem e não sei se vou para dentro da Morte – (…)
– Allen Ginsberg, no poema A Resposta.

Versos longos, mas verdades maiores ainda são elementos que compõe a poesia deste gênio Beat subversivo. Certamente, afirmar que Allen Gisnberg é o nome mais importante de sua geração, ao lado de Jack Kerouac, é recorrer ao clichê, pois na realidade ele não é o símbolo de uma geração, mas sim um dos nomes mais importantes para a libertação de estruturas literárias arcaicas; uma quebra de paradigma no formato acadêmico e tradicional de se “fazer” literatura.

O mais cômico do que consigo ver no significado a que tentei impor nesta abertura, basicamente, está no fato de poder deixar implícito que Ginsberg fosse alguém que nunca tivesse estudado os grandes escritores; porém não este o caso, o que diríamos de suas constantes citações a Blake e a Whitman? Ele foi além, aprendeu a maneira com os mestres, mas importou a forma da rua, da sociedade, de sua cultura. Os versos longos, como já referido, simulam os intermináveis arranjos do ritmo mais importante daquele período, “… flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz” (trecho de Uivo).

Sobretudo, além de romper com a forma e o academicismo, Ginsberg falou sobre a miséria humana, sobre a loucura, mas também sobre a iluminação. As viagens alucinógenas, que seus poemas não deixam de tratar, oferecem ao leitor doses inigualáveis de humor e filosofia; o divino e o humano lado a lado.

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ginsbergQuando a dor e a expressão humana se juntam surgem os poemas. Ginsberg recorre a uma musa cativante, frenética e louca, sua mãe. Impossível não notar as aparições constantes do nome da homenageada, ou até mesmo poemas especialmente dedicados a ela, como em Kadish [para Naomi Ginsberg]: “Ó musa gloriosa que me carregou no ventre, deu-me para sugar a primeira vida mística & ensinou-me a fala e a música, da tua cabeça sofredora primeiro recebi a Visão”. E quem mais poderia falar de loucura e alucinação do que os anjos da geração Beat? O próprio Ginsberg foi internado num sanatório – referência constante ao fato no poema Uivo, quando cita o período em que passou junto com Carl Solomon. Sim, um pouco de vida real a cada verso, alguém que não se dispôs a mostrar somente as coisas maravilhosas que nos acontecem, mas mergulhou no âmago do espírito, chegando até o tema que faz simplesmente muita gente querer mudar de assunto, a morte. Ainda em Kadish, o poeta expressa sua reflexão mórbida: “Morte que és mãe do universo! – Agora veste tua nudez para sempre, alvas flores no cabelo, teu casamento lacrado atrás do céu – revolução alguma destruirá essa virgindade”. Em No Túmulo de Apollinaire, Ginsberg dedica novos versos sobre a morte, sem desta vez fazer referência clara a Naomi: “Você não pode dirigir automóveis num túmulo de um metro e oitenta no entanto o universo é um mausoléu grande o bastante para qualquer coisa.

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Mas aí você começa a pensar, certo, então este cara só escreve sobre temas cultos e tristes? E você acha uma série de poemas que são de um humor marcante, como Automóvel Verde, em que Ginsberg escreve numa forma de balada uma homenagem a Neal Cassady – sim, o Dean Moriarty em On The Road, de Jack Kerouac. Não importa se te fazem rir realmente como uma piada baixa, pois não é este o objetivo, embora não faltem palavrões, mas o que entra em ação aqui é um todo repleto de emoções que se misturam, “Assim, este automóvel verde,/ eu dou para você em fuga/ um presente, um presente/ da minha imaginação”. Mesmo nos versos de Uivo, que alguém poderia afirmar ser o retrato de uma geração decadente, é possível ver a melancolia misturada ao humor, “…que choraram diante do romance das ruas com seus carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música.”. Enfim, é um humor que retrata o que está ao seu redor.

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Provavelmente um dos menores poemas de Allen Ginsberg, Sobre a obra de Burroughs chama a atenção pelas suas metáforas, que apesar de recorrerem ao absurdo, simplesmente fazem sentido como se nada mais pudesse se usado no lugar daquelas figuras de linguagem. A última estrofe do referido poema salta aos olhos: “Um lanche nu nos é natural,/ comemos sanduíches de realidade./ Porém alegorias não passam de alface./ Não escondam a loucura”. Levando em conta o fato de ser uma tradução, o poema ainda é impressionante por seu encadeamento de imagens mentais provocadas pelo quanto são inusitados estes conceitos juntos.

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howlRelendo estas considerações, sinto que falei pouco ainda sobre a obra de Allen Ginsberg. Para os curiosos, indico o filme Uivo (Howl, 2010) com atuação de James Franco como Ginsberg. Dá para ter uma noção sobre a vida do poeta, embora o filme se limite a abordar principalmente o período após a publicação do poema Uivo, quando um processo judicial foi movido contra o poeta e seu editor.

Eu seria um hipócrita se afirmasse que considero Allen Ginsberg um dos melhores poeta de todos os tempos, pois na verdade conheço a obra de poucos poetas; no entanto, Ginsberg foi o primeiro que conseguiu furar a casca de resistência que eu tinha quanto a ler um livro de poemas. O sentimento que tive ao ler a obra dele foi de finalmente ter encontrado uma poesia que falava comigo, palavras que tocavam meus sentimentos, ou eram mesmo eles.

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Os poemas citados encontram-se no livro: Uivo e outros poemas, de Allen Ginsberg (Editora LP&M Pocket).

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Cena do filme "Uivo"
Cena do filme “Uivo”

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