Conto: Fantasiado de Gente

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Ilustração de Mayara Nardo

Oras! Como o cara sabia tudo aquilo? Um conhecimento daqueles era muito estranho para um humano. Ele não tinha jeito de quem conversava com cachorros, sapos, gatos, corujas ou outros animais, e menos ainda de quem nos visitou. Eu ouvi frases dessas dos nossos vizinhos! Todo mês a gente chamava o reino animal da nossa quadra para ler, comer e falar bobagem, mas era só entre nós! Não recebíamos humanos. Tinha algo errado ali. Eu devia descobrir antes de voltar à cãomunidade e latir o acontecido.

Acabado o bate-papo com o público, o autor ficou uns minutos de conversa fiada com uns gatos pingados, digo, humanos avulsos de pós-palestra. O olhei com mais atenção: era um pouco mais alto que eu, tinha espessos bigodes e barbas brancos, e um vasto cabelo de poodle. Não me aproximei demais, mas ele veio na minha direção depois de ter atendido aos outros. Ele se certificou de não ter ninguém perto e sussurrou:

– Calma! Eu posso explicar – ele chegou mais perto de mim, mesmo eu tendo recuado na primeira palavra. – Eu notei você na primeira fila. Não adianta disfarçar, meu caro, sei muito bem que você é um cachorro fantasiado de gente. Eu reconheceria esses seus olhos de bola de gude em qualquer lugar.

Meu disfarce falhou! Não pensei que seria reconhecido justo pelos olhos!

– Mas ninguém precisa saber disso – ele me disse, ainda em voz baixa. – Lembra do último sarau, aquele com os cães, os sapos e as corujas? – eu não confirmei, mas lembrava muito bem. Tinha uma linda cachorrinha naquela noite… – Eu fiquei ao lado do mais sábio dos cães, latindo as poesias. Mas ninguém precisa saber de nada, as pessoas não vão entender você aqui, nem a mim por lá – ele começou a se afastar, avistou temeroso em volta, não queria ser ouvido por mais ninguém. Desapareceu por uma porta a caminho dos bastidores, mas não sem antes me dar um aviso:

– Desconfio termos uma missão parecida. Você é um cachorro fantasiado de gente, e lá eu era gente fantasiado de cachorro. Até a próxima.

 

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