Curitiba sobre Rodas

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Cabe um pouco da cidade em uma viagem de ônibus em Curitiba

Transporte coletivo de Curitiba/ foto: Google
Transporte coletivo de Curitiba/ foto: Google

Parte da vida em Curitiba se passa nos ônibus. As linhas que posso pegar perto de casa para ir até o centro demoram vinte minutos quando o trânsito está bom; nesse tempo cabe um pouco dessa cidade sobre rodas que existe dentro do transporte coletivo. Salvo as linhas que param apenas em terminais e estações tubo exclusivas para embarque e desembarque, basta estender o braço e embarcar no ônibus.

Quando posso fico na parte de frente, antes de pagar a passagem e passar pela catraca. Quando há vagas, sento em uma das cadeiras e fico perto daquela do cobrador, de onde vejo mais passageiros entrando, indo para os fundos e desaparecendo na multidão criada por vinte ou trinta pessoas na parte de trás do coletivo. Se não houver lugar na parte da frente ou se o ônibus estiver cheio, vou para o fundo e me apoio em qualquer barra, improvisando pegadas até achar um microespaço para chamar de meu até chegar no ponto em que desço.

Quem desce apenas em pontos finais e consegue um espaço vago quase sempre encosta a cabeça na janela e cochila, uma soneca de quinze minutos pode fazer milagres, ainda que em ritmo sacolejante. Há quem prefira ver qualquer porcaria no smartphone ou as falar em uma ligação, às vezes compartilhada involuntariamente com os demais passageiros, cuja reação é, se houver, um olhar azedo a quem fala tão alto. Há quem deite um livro nos joelhos ou faça da mochila um apoio à viagem nas paginas, se isolando sem briga das pessoas ao redor durante o trajeto, pois após desembarcar e chegar no destino, provavelmente terá o silêncio interrompido à força. Os livros variam de ficções até apostilas, nos quais se veem riscos de lápis a espera de mais riscos quando seu dono ou dona estiver estudando. Mas na maioria das vezes os passageiros apenas olham para fora do ônibus, e não há estudo que diga onde suas mentes de fato estão.

Talvez essa aparente distração explique tantos apertos em um espaço tão pequeno, pois se você ler em algum canto que cabem 40 pessoas em um ônibus pelo menos 50 ficam confortavelmente socadas durante o trajeto – 60 nos horários de pico. E na maioria das vezes não facilitam nem para si, pior ainda se carregarem bagagens pesadas ou volumosas, mas paciência e o importante é que a culpa é sempre do outro – tipo aquele cara do fiat que cortou um sinal vermelho bem na frente do ônibus e forçou o motorista a uma freada brusca.

Aliás, motoristas e cobradores talvez sejam as versões sobre rodas de Dom Quixote. Em apenas mais uma cidade que viveu seu boom de carros novos nas ruas mas nunca viu anúncio de fábrica de rua, transportar pessoas em paz é um ato de heroísmo. As linhas que costumo pegar são tranquilas, embora eu já tenha visto um motorista desligar o ônibus, indiferente ao rush matinal em plena avenida lotada, pois ele e o cobrador notaram que alguém entrou pela porta de trás e nada de motor ligado enquanto o cara não descesse – e nem a simpatia de alguns passageiros os fez mudar de ideia.

Como nada faz mudar de ideia, alguns condutores apressados que parecem ter saído da garagem a 60Km/H, achando que sua responsabilidade é conduzir coisas em vez de gente. Que dependendo do lugar é pacífica e até compartilha de algumas sensações dos motoristas e cobradores, mas de outras cantos faz do transporte um inferno, perturbando o sossego alheio ou pulando por cima da catraca, às vezes até indiferente se um dos seus desmaia no chão do ônibus devido a um abuso, que talvez seja o menor de seus problemas naquele breve momento.

Essa Curitiba que vive dentro dos ônibus é uma coleção de brevidades contraditórias, onde definições absolutas cedem lugar a quem entrar primeiro – anjos ou demônios, você pode chamar como achar melhor. Na saída, principalmente se for à noite e você estiver voltando para casa, ambos podem descer contigo e acenar visualmente para o cobrador, que retribuirá o aceno enquanto espera mais passageiros repetirem o ciclo.

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