Eduardo Cunha: o personagem shakespeariano que deu errado

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Uma leitura atual das ações do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com um viés shakespeariano 

2015-796094942-2015-795856295-2015030344974.jpg_20150303.jpg_20150304Que Shakespeare é um dos grandes autores do ocidente, poucos discordam (fora Bukowski e Tolstói, é claro). Em suas tragédias e comédias, há um sem fim de personagens que continuam a ter nova vida em outras obras e na vida real. Muito do seu sucesso se dá pelo fato do Bardo ter apreendido de forma convincente os tipos mais comuns, porém sem nunca tratá-los de forma simplista. Isso resulta do fato de Shakespeare ser um grande observador do cotidiano, dando atenção àquilo que se repete com o tempo. Mais do que qualquer outro escritor, ele conseguiu recriar modelos já existentes, fixando-os e fazendo com que eles influenciem todos que vieram após ele – quer sejam pessoas reais ou fictícias.

Assim chegamos à persona pública que tinha tudo para ser um grande personagem shakespeariano, mas não foi: Eduardo Cunha. O famigerado presidente da Câmera dos Deputados tinha todos os traços dos anti-heróis do escritor inglês: é ganancioso como Macbeth – além de ser capaz de tudo pelo que quer; é vingativo como Iago, o pior dos vilões, que faz de tudo até levar Otelo à decadência – mesmo que custe a sua própria vida; destemido em suas ações como Julio Cesar; altamente conspiratório feito Claudio, tio de Hamlet e usurpador do trono dinamarquês.

Para um político, todas essas características poderiam ser vistas como algo positivo, dado que o meio demanda tais artimanhas. No entanto, como fica claro, apesar das aspirações de grande homem, Eduardo Cunha será lembrado não como um grande homem político, capaz de reunir qualidades dos grandes antagonistas shakespearianos, mas por seu protagonista mais patético: Rei Lear.

O bobo da corte, leal companheiro de Lear durante a peça, sintetiza o destino do rei: “Pobre Lear, que ficou velho antes de ficar sábio.” Nessa referência ao erro cometido pelo nobre, o bobo nos apresenta o grande problema: Lear não soube envelhecer e ganhar o único fruto que a idade pode dar em troca de todas as outras perdas: o conhecimento. Com ele, somos capazes de manipular tudo e todos, quem sabe chegar ao Übermensch de Nietzsche. Hamlet tenta fazer disso sua razão de viver e acaba por matar quase toda a corte da Dinamarca, incluindo a si mesmo, em um jogo político intricado e problemático. Hamlet supera a vilania do usurpador Claudio, assassino de seu pai, mas paga um alto preço ao morrer atingido pela espada envenenada.

Eduardo Cunha não pode dizer o mesmo. Suas aspirações eram grandes e, segundo ele, tão benevolentes quanto as do príncipe da Dinamarca. Podemos ver, entretanto, que sua prática está mais direcionada às ações patéticas de Lear. Sua suposta cruzada apresenta apenas um ponto da personalidade de Iago – não sendo o ponto positivo deste: a inveja, quem sabe, o medo. Já em relação ao rei, ele compartilha uma lista incontável de defeitos: aspiração de grandeza maior que a realidade, falta de tato nas escolhas simples, falta de percepção do real problema, um fim trágico – para não dizer cômico. Com a investigação acerca de supostas propinas e afins, o paladino do congresso se assemelha cada vez mais com o seu cognato shakespeariano em seus defeitos e mediocridade.

O que sobra disso tudo?

Cunha, assim como muitos personagem de Shakespeare, aspirou a grandeza e acabou se dando mal. No entanto, ao contrário dos personagens, o presidente da Câmara dos Deputados não terá um fim grandioso ou redentor. Seu fim, assim como a trajetória inteira, será lembrada no futuro como um misto de galhofa cômica e de tomadas de decisão erradas em sequência. Cunha provavelmente terá a imagem de um bufão tolo: alguém que aspirou os grandes (Iago, Claudio, Macbeth, Julio Cesar), mas acabou como o pequeno e patético Lear.

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