Existe amor (pela leitura) em São Paulo

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São Paulo. Arte de rua

O rapper Criolo, recentemente elevado ao status de filósofo urbano devido à expansão midiática de sua carreira, cunhou em certa letra de música a máxima de que “não existe amor em SP”. Pois eu, humildemente, me utilizo deste espaço para discordar. Em minhas andanças pela capital – de metrô, ônibus, a pé – já presenciei inúmeros gestos de amor do paulistano. Desde o dar passagem em algum lugar (e dar passagem em São Paulo, quem vive por aqui sabe, é um inequívoco gesto de amor) até ajudar alguém em apuros. Mas poucas demonstrações de amor me comovem tanto quanto aquelas que os habitantes da cidade demonstram pelos livros.

Eu confesso que sou do time das descoordenadas: me bote para andar de transporte público e você terá uma chance considerável de me ver sendo atirada para cima dos outros ou sendo girada no poste em que eu me agarro, num ridículo pole dance involuntário. Acho que é por isso que fico tão emocionada quando vejo alguém lendo numa situação como essa. Muitas vezes a pessoa vai sentada, é verdade, a ponto de se ajeitar como se estivesse no sofá de casa, tamanho é o conforto da sua posição, a seriedade relaxada com que desfruta da sua leitura. Mas há vezes em que o indivíduo simplesmente se equilibra de uma maneira admirável, quase inconcebível. Uma perna um pouco mais à frente da outra, um braço enlaçando o poste, o outro segurando o livro (aberto apenas com a posição dos dedos) e o tronco meio recostado. Sério, é uma engenharia de bater palmas. Eu, presa aos meus desengonçados movimentos de joão-bobo, jamais conseguiria ler nessas condições. Mas o paulistano lê. Firme. Decidido. Imerso.

Minha teoria é que isso acontece, a princípio, para ganhar tempo. Todo mundo sabe que os deslocamentos por aqui tendem a ser grandes – e isso porque a cidade, em si mesma, é gigantesca. Assim, torna-se um prazer para o paulistano sentir que o tempo gasto nessas necessárias jornadas podem ser aproveitados de alguma forma. Uns ouvem música; outros jogam qualquer coisa no celular; e outros acabam por ler. Pensando desse modo, poderíamos até cair na tentação de recriminá-los pela visão rasteira que parecem ter da literatura, uma visão que equipara um livro a uma música de refrão pegajoso ou ao Candy Crush. Mas isso seria injusto. Se a leitura se encontra no mesmo patamar que essas outras atividades para esse indivíduo, é porque ele considera que ela entretém, diverte e, acima de tudo, mostra-se uma boa forma de passar o tempo. Como julgá-lo por isso, em se tratando de uma cidade em que o tempo pode ser considerado o bem de maior valor? É um pensamento que, para mim, ao contrário do que se possa pensar, coloca a leitura num lugar digno, quase heroico. Afinal, o paulistano não ocupa o seu tempo com o que não se apresenta como importante, de alguma maneira, para a sua vida. “Tempo é dinheiro”, já diria o famoso ditado; e se o passageiro do transporte público de São Paulo opta por investir os seus minutos ou as suas horas de deslocamento lendo, é porque, eu desconfio, esse exercício lhe parece valer a pena em algum aspecto.

É claro que nem tudo o que se lê nos meios de transporte é literatura. Ou boa literatura. Há os que leem livros técnicos, ligados a sua área de trabalho ou estudo. E os que leem livros considerados banais, com inúmeros tons de cinza. Não importa. A leitura ainda tem o seu espaço no coração do paulistano, seja ele qual for. Em um mundo de equipamentos eletrônicos e contatos sociais cada vez mais frívolos, é lindo ver que as folhas impressas ainda são importantes e mudam vidas – seja pelo estudo, pela descontração ou pelo desafio da mente. Por isso, ao dar de cara com um dos leitores de ônibus ou metrô paulistanos, alegre-se: saiba que, apesar das dificuldades, existe sim amor em SP.

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