José Saramago: um ranking do pior ao melhor romance

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José Saramago: um ranking do pior ao melhor romance

Uma lista sobre José Saramago, escritor português ganhador do prêmio Nobel, falecido em 2010, avaliando seus romances do pior ao melhor

José Saramago, ganhador do único Nobel de Literatura em língua portuguesa, tem uma obra vasta e importante. No entanto, ao comentá-la, o gênero mais lembrado e celebrado, com certeza, é o romance.

Autor de mais de 18 deles, Saramago passou por várias fases e abordou muitos temas – alguns recorrentes. Da história à alegoria, passando pela religião e sua representação, suas obras sempre combateram aquilo que o autor acreditava que deveria ser combatido por todos.

Com um volume tão grande de obras, não foi difícil elencar e organizar todas do pior ao melhor. Então, com todo amor do mundo, pedimos compreensão nas nossas escolhas, que, no fim, são isso, escolhas.

Por fim, avisamos que este modelo foi inspirado pelo usado no site Tenho mais discos que amigos (que é muito bom).

Divirta-se!

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18. Terra do pecado (1947)
Publicado no ano de nascimento da única filha de Saramago, Violante, o primeiro romance do autor não tem muito de pecaminoso, ao contrário do que o título propõe. Originalmente chamado de A viúva, o enredo conta a história de uma viúva. O novo título, sugestão de um editor, foi uma tentativa de alavancar vendas que não emplacou.

Inicialmente relegado ao esquecimento, o romance foi redescoberto – e mesmo negado por Saramago – décadas depois. Segundo o autor, uma obra que é mais fruto de leituras do que de vivências, de um estilo realista padrão da época e sem grandes emoções.

17. Manual de pintura e caligrafia (1977)
Este é um livro difícil de explicar. Primeiro, seria ele realmente um romance? Mesmo dentro dos limites da obra do próprio Saramago, dado a quebrar convenções, Manual de pintura e caligrafia é um desafio para um autor que passara quase trinta anos sem publicar um único romance.

Tentando sintetizar, trata da experiência pessoal de Saramago até então – seja ela política, filosófica, literária e jornalística. Misturando muitos gêneros, o foco principal, a arte, é tratada na metáfora do título. Um livro interessante e obscuro ao mesmo tempo, é o último no qual o autor não usou sua famosa pontuação.

16. A viagem do elefante (2008)
A história segue a viagem de um elefante, presente de casamento de Dom João III, rei de Portugal, ao seu primo Maximiliano da Áustria, feita a pé pela Europa. Baseada em fatos reais, Saramago tenta traçar uma metáfora entre a viagem do animal e seus acompanhantes e a futilidade da vida.

Escrito em um momento de grave doença (que pode ser visto no documentário José e Pilar), os personagens não engrenam em certos momentos e velhos pontos já trabalhados em outras obras reaparecem, mas sem a mesma força. Um romance que diverte sem, no entanto, ter a profundidade de outras obras de José Saramago.

15. Claraboia (2011)
Publicado pouco mais de um ano após a morte do autor, o romance foi escrito originalmente no começo dos anos cinquenta e rejeitado pela editora – que nem ao menos se prezou em responder Saramago. Passadas as décadas e a fama aumentada do autor, a mesma tentou a publicação do romance, o que Saramago negou e vetou de ser feito enquanto vivo.

Trata-se de uma história focada em vários personagens. A claraboia do título é o espaço pelo qual percorrem os vários espaços dos moradores de um prédio em uma rua humilde de Lisboa.

Há todos os tipos sociais possíveis da época (um caixeiro viajante, sua mulher espanhola e o filho, um sapateiro, um tipógrafo, um empregado de escritório, entre outros), os quais têm suas vidas expostas e exploradas. Apesar de ser um romance do jovem Saramago, muitos lampejos do que seriam temáticas e abordagens do autor já se fazem presentes nesta obra.

14. Caim (2009)
Último romance publicado em vida por José Saramago, a narrativa segue Caim, personagem bíblico filho de Adão e Eva, em uma releitura do Velho Testamento. No entanto, assim como em Evangelho segundo Jesus Cristo, o autor faz suas interpretações sobre os tópicos e temas tratados na Bíblia.

Como não poderia deixar de ser, o romance gerou muita polêmica em Portugal e Espanha devido ao tratamento crítico do autor frente à figura de Deus. Mais uma vez, o foco principal da obra não são os personagens que acompanhamos, no caso Caim, e sim Deus e seus movimentos durante todo o Velho Testamento. Cheio de saltos temporais, esta pode ser uma obra não recomendável caso você não esteja habituado com grandes mudanças de foco.

13. Alabardas, alabardas, espingardas, espingardas (2014)
Publicado três anos após o falecimento do autor, este era o romance em que José Saramago trabalhava na época em que faleceu. O título, uma referência a Gil Vicente, tenta encapsular a ideia do tema: o mundo bélico. Sendo composto de apenas três capítulos – estes acompanhados por ilustrações do também prêmio Nobel de Literatura Gunter Grass –, o texto mostra a força do que poderia ter sido uma grande romance.

A história segue a vida de Artur Paz Semedo, um funcionário exemplar de uma fábrica de armas. Sua mulher, Felícia, uma pacifista, o abandona quando ele demonstra interesse em ser promovido e devido ao seu orgulho excessivo por causa da empresa. Após o abandono, Artur começa a mostrar sinais de que sua consciência talvez já não esteja mais tão tranquila.

Muitos apontam, inclusive este que vos escreve, que este poderia ser um dos melhores romances do autor, o que, porém, nunca poderemos saber. Uma pena.

12. A jangada de pedra (1986)
Um belo dia a península Ibérica começa a rachar junto aos Pirineus, na fronteira entre Espanha e França, até o ponto em que se separa do resto da Europa e começa a navegar a deriva pelo oceano Atlântico. Escrito no momento em que o Bloco Europeu se firmava, Saramago alude nesta alegoria ao que, segundo ele, seria o isolamento de Portugal e Espanha frente ao resto do continente.

Apesar de todas as boas tiradas e críticas feitas por Saramago, o romance peca pelo excesso de personagens e metáforas em alguns momentos. Ironicamente, o personagem mais interessante, Constante, é um cão que representa a indecisão de qual lado ficar no começo da trama. Trabalhado para ser tão importante quantos os humanos por Saramago, Constante acompanha um dos protagonistas por toda a jornada e cria o ensejo para as melhores cenas do livro.

Saramago recebendo o Nobel em 1998

11. Todos os nomes (1997)
Último romance publicado antes de ganhar o prêmio Nobel de Literatura, Todos os nomes acompanha a vida de um funcionário de um cartório, Sr. José, que tem uma vida simples e um passatempo curioso: colecionar fatos sobre personalidades. Um dia, uma ficha de uma mulher desconhecida lhe cai na mão e ele decide investigar a sua personalidade. A partir daí, a vida pacata do Sr. José se altera.

Influenciada pela busca real de Saramago pelo registro de um irmão falecido na infância, o livro trata de um tema que será mais desenvolvido em O homem duplicado: a busca e a construção de(as) identidade(s). Um romance leve e ao mesmo tempo profundo, Todos os nomes talvez seja o romance mais recomendado para quem quer adentrar no mundo saramaguiano.

10. A caverna (2000)
Havia uma grande expectativa sobre o que seria o romance seguinte de José Saramago após o Nobel de Literatura; a resposta veio com A caverna. No romance, explora-se o impacto da economia nas comunidades locais e tradicionais a partir do ponto de vista da família de um oleiro, Cipriano Algor.

Fazendo uso da metáfora da caverna de Platão, Saramago aborda questões como simulacro e representações de(a) realidade. Em muitos momentos, pode-se notar que a narrativa entra no campo da ficção científica do tipo de Philip K. Dick ao abordar temas e ideias sobre o mundo contemporâneo e suas brechas. Um romance diferente, e ousado, mostrando que Saramago não se deixou abalar pelas vaidades do Nobel.

9. Levantado do chão (1980)
Considerado o primeiro grande romance de José Saramago, essa obra acompanha a família Mau-Tempo durante setenta anos, passando dos latifúndios alentejanos no início do século XX ao período de mudanças políticas de Portugal na década de setenta.

Focado no sacrifício dos pobres por gerações, subjugados pelos mandos e desmandos do poder, o romance foca, de forma heroica, a sobrevivência do povo alentejano apesar de todos os reveses. Um romance pungente que ainda transita entre o realismo e o estilo pelo qual Saramago seria conhecido. É a primeira obra na qual o autor empregou seu método próprio de pontuação.

8. Ensaio sobre a lucidez (2004)
E se a maioria da população votasse em branco? Quais seriam as consequências? Como isso afetaria o poder e quem o comanda? Essas e outras questões serão abordadas neste romance de José Saramago.

Apesar de não haver uma divisão formal, a trama mantém dois momentos distintos. Um primeiro, no qual acompanha-se a frustrada eleição na qual há uma maciça votação em branco; outro, no qual personagens já conhecidos do Ensaio sobre a cegueira ressurgem e são perseguidos pelo poder por serem suspeitos de incitar a votação em branco.

Apesar de não ter a força do outro Ensaio, este romance quebra expectativas em vários momentos e traz questionamentos profundos e dolorosos para quem vive em uma democracia.

7. Memorial do convento (1982)
Focado no fato histórico da construção do convento de Mafra, Saramago nos oferece uma narrativa que mistura questionamento histórico, uma visão dos menos favorecidos sobre o passado e toques de realismo mágico.

Dentre os vários pontos narrativos explorados, o principal se centra na figura de Baltasar Sete-sois e Blimunda Sete-luas e a relação de ambos com o padre Bartolomeu, inventor que sonha e constrói uma máquina voadora. Mas ainda há espaço para muitos personagens (históricos ou fictícios), como Dom João V e sua esposa, Domenico Scarlatti, entre outros.

Uma bela obra de José Saramago, que avançava cada vez mais em seus questionamentos e proposições sobre o que tomamos como verdade.

6. As intermitências da morte (2005)
“No dia seguinte, ninguém morreu.” Assim começa este excelente romance de José Saramago. A partir desta premissa simples e estarrecedora, o autor vai mostrar os problemas e questões que a falta de um fato tão presente em nossas vidas podem gerar.

Dividido em três momentos, inicialmente acompanhamos os problemas sociais causados pelas mortes não ocorridas e todo tipo de maluquices que surgem deste fato (até uma maphia, com ph mesmo). Em seguida, vemos a morte se posicionando e apresentando o porquê de interromper os seus serviços ao enviar um bilhete a uma emissora de televisão. Por fim, a morte segue a trajetória de um músico que tem seu bilhete, no qual recebe o aviso de que morrerá em breve, de volta.

Cheio de ironia e reflexões sobre a vida, este é o último grande romance escrito por um Saramago que já vislumbrava o seu próprio fim.

Amigos de José Saramago
Caetano Veloso, José Saramago e Jorge Amado na casa do autor baiano

5. O homem duplicado (2002)
Apesar de ter sido a base do belíssimo filme de Denis Villeneuve, ambas as obras compartilham muito pouco além da premissa. Um belo dia, Tertuliano Máximo Afonso, um professor de História, aluga um filme por indicação de um colega e descobre que há um ator idêntico a ele morando na mesma cidade. O que se segue é a obsessão dele com seu sósia e a subsequente busca.

Mesmo sendo uma obra que trata de temas como identidade e as relações que esta cria, este romance em especial é um dos grandes exemplos de como José Saramago era capaz de criar grandes questionamentos aliados a grandes enredos. Sendo em boa parte um romance policial, a leitura flui tanto pela angústia de Tertuliano quanto pela nossa curiosidade de saber qual será o próximo passo dele. Uma excelente leitura para qualquer leitor.

4. O ano da morte de Ricardo Reis (1984)
Focado no ano de 1936 em um Portugal cheio de tensões fascistas prestes a ver a eclosão da Guerra Civil Espanhola e em seguida da Segunda Guerra Mundial, José Saramago analisa este ano crucial da História social do ocidente a partir do heterônimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis.

Uma vez que Pessoa nunca deu uma data de morte a este heterônimo, Saramago o faz retornar a Portugal muito diferente da qual ele havia partido muitos anos atrás. A mistura entre o real e o fantasioso – tendo inclusive momentos ao mesmo tempo hilários e reflexivos – faz com que o romance seja uma leitura fluida e deliciosa. As várias camadas de realidade e diálogos afiados também são outro ponto forte do livro.

3. A história do cerco de Lisboa (1989)
Definir os três melhores não foi fácil, porém este romance merece por tudo que ele oferece.

José Saramago criou uma história de duas camadas, na qual a primeira acompanha a vida de um revisor, Raimundo Silva, que acrescenta um não à obra sobre a história do cerco de Lisboa e as consequências do ato na sua vida. A outra é uma história alternativa deste fato histórico escrito pelo revisor por influência de outra personagem que surge na sua vida.

Alterando entre uma nova leitura de um velho fato histórico e na mudança de perspectiva na vida do revisor após seu ato rebelde, Saramago cria um romance belo e tocante, englobando História, amor, solidão, mudanças de perspectivas, entre outros temas. O investimento de leitura não será em vão, garantimos.

2. O evangelho segundo Jesus Cristo (1991)
José Saramago nunca foi um homem que se deixou amedrontar pelas grandes questões que o cercavam e o incomodavam. Ateu, comunista e português, o tema religião, em especial a católica, era um alvo provável. Nesta releitura do Novo Testamento, centrando em um Jesus Cristo mais humano e em um Deus mais diabólico, o autor mostrou o seu poder de (re)criação do passado.

Apesar de não diferir da narrativa bíblica na maior parte do tempo, a visão humana e questionadora de Saramago nos põe frente a frente com o que há de mais assustador na Bíblia: não seus personagens, que são humanizados, e sim a construção assustadora dada pela religião.

1. Ensaio sobre a cegueira (1995)
Certo dia, parado no sinal de trânsito com seu carro, um homem perde a visão, que se transforma em um mar branco. Este é apenas o primeiro de muitos que sofreriam do mal da cegueira branca nesta obra-prima de José Saramago.

Dividido em três momentos, primeiro acompanhamos os “contágios” da cegueira branca e como a sociedade tenta – da pior forma – lidar com ela. A partir daqui, seguimos um grupo de personagens na sua quarentena em um manicômio, as tribulações do isolamento e então a vida em um mundo em que quase todos foram tomados pela cegueira branca.

A partir da perspectiva da mulher do médico, única personagem a ainda enxergar, nós acompanhamos como o mundo civilizado se transforma em um completo desastre com a perda geral da visão. Em diálogo com muitas outras obras – desde A peste, de Albert Camus, até o lado distópico de 1984 -, José Saramago critica a nossa sociedade e todos os valores que a sustentam. Uma obra triste e poderosa, em muitos momentos desesperadora, que o próprio autor já confessou em suas memórias (Cadernos de Lanzarote) ter sido a mais dolorosa que escreveu.

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E então, gostou? Quais seriam os melhores na sua opinião? Deixe nos comentários e divirta-se.

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