No limite do sonho e da realidade em ‘Na linha da loucura’

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Universos paralelos convivem de forma harmoniosa em livro do escritor Cristian L. Hruschka.

Cristian_Hruschka

A criação e a existência de universos paralelos, na literatura, é um bom caminho a ser explorado. Muitas vezes pertencente à ficção científica, este tipo de narrativa sempre despertou a atenção de muitos leitores, sobretudo os mais jovens. A literatura latino-americana, capitaneada por Gabriel Garcia Márquez, também soube seguir de modo proveitoso este viés, criando o realismo mágico. Na contemporaneidade o escritor japonês Haruki Murakami, com seu 1Q84, movimenta a bolsa de apostas toda vez que está para ser anunciado o novo ganhador do prêmio Nobel de literatura.

Agora, vindo de Santa Catarina, um livro muito interessante aborda este tipo de literatura. E aqui o autor, Cristian L. Hruschka, envereda por um atalho rico em possibilidades, cujo título revela a trilha principal: Na linha da loucura  (Minarete/Legere, 87 páginas). A novela descreve a história de Maurício, advogado bem sucedido, que passa a ter uma vida dupla. Elas se dividem entre o momento em que ele está acordado, vivendo no mundo “real”,  e quando o personagem se encontra dormindo. Um elo físico, no entanto, une os dois universos: o dinheiro. Desde o primeiro sonho, Maurício descobre no bolso interno do paletó as notas que ganhou na mesa de jogo. Só que o tal jogo acontece no universo do sonho, e entre personagens ameaçadores. O pior é que os mesmos personagens também existem no mundo real e estão constantemente a lhe cruzar o caminho e a atormentar a existência.

na linha da loucura - capa IO livro começa com Maurício caminhando por um lugar sórdido: “Quando levantou os olhos enxergou as paredes sujas e mal pintadas dos casebres misturados à paisagem. Em alguns pontos o pouco reboco permanecia grudado nos tijolos. Caminhando por aquela rua estreita reparava nos muros grafitados e pichações ilegíveis. Curva após curva, a sensação de estar sendo seguido e observado pelas sombras.” O protagonista busca um cassino clandestino, indicado pelo cunhado, um personagem real, na verdade um vagabundo viciado em drogas. Maurício diz ao homem que lhe atende à porta: “– Soube de fonte segura que neste lugar posso conseguir dinheiro. Sou bom jogador. Apenas me deixe entrar que vou embora após tentar a sorte.”

Mesmo que queiramos nos desligar do livro, a tarefa é difícil, porque Hruschka sabe manejar bem sua ficção. O importante a ser tirado disso tudo é uma discussão muito pertinente para os dias atuais. Qual o limite entre razão e loucura? E como podemos acreditar nas palavras dos médicos? Trata-se de uma linha limite cada vez mais tênue de discernir, e de espaços disputados palmo a palmo entre a psiquiatria e as várias modalidades de psicanálise. A medicação extensiva e a possível inocuidade dos tratamentos também são abordadas de forma criativa no romance.

A epígrafe do livro, de Melville, já dá a dica a que o autor veio: “Ninguém pode salvar ninguém, temos que salvar a nós próprios”. Retornando ao universo da literatura, podemos dizer que toda narrativa é uma espécie de salvação, isto é, de organização do caos deixado pelo real, que nos dá a desmedida do caráter irracional e inexorável da existência humana. A narrativa de Cristian L. Hruschka se insere na lista de livros que abordam a questão com uma coragem reveladora.

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Haron Gamal é doutor em literatura brasileira pela UFRJ e professor de literatura brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. Autor dos livros Magalhães de Azeredo – série essencial (ABL) e Estrangeiros – a representação do anfíbio cultural na prosa brasileira de ficção (Ibis Libris).

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