Meras notícias de rodapé

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Sobre crimes em romances policiais e a narrativa da violência na vida real – são importantes ou meras notícias de rodapé?

Philip Marlowe - ele não deixava pistas virarem notícia de rodapé

 

Se há uma coisa que permanece imutável desde o surgimento das grandes cidades é o interesse por crimes misteriosos. Quanto mais brutal, melhor. Os jornais são os vetores da violência. A maior diferença de hoje para antes é a velocidade com que as notícias se propagam. Apresentadores de programas vespertinos narram com fúria perseguições em alta velocidade, coisas que estamos acostumados a ver nos velhos filmes de ação transmitidos pelo canal TCM. O correto seria tirar as crianças da sala, mas elas já estão acostumadas a isso. Sabem que a realidade é feroz.

Em romances policiais, há profissionais autônomos que buscam a solução de enigmas apenas pelo prazer da atividade intelectual. No chão árido da realidade, essa responsabilidade é confiada às divisões Militar, Civil e Federal da polícia. A primeira, criada pelo regime ditatorial para reprimir ações consideradas terroristas, é constantemente questionada pela brutalidade com que age. O famoso atirar primeiro, perguntar depois.

A estupidez de seu método ficou escancarada no livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos. Ele assumiu o papel do detetive hard boiled: ao contrário de C. Auguste Dupin, não analisou as notícias de dentro de um escritório. Visitou arquivos poeirentos, transformou papel amarelado e corroído em estatística. Deu nome aos bois, oficiais protegidos por seus superiores, condecorados com honrarias a cada execução. Fez um ranking dos maiores assassinos fardados, criminosos que matavam e adulteravam boletins de ocorrência e a cena do crime.

Paula Cesarino Costa, jornalista da Folha de São Paulo, lembrou de Ítalo e Waldik em texto publicado no último dia 3. Meninos de 11 anos que foram mortos recentemente por tiros disparados por policiais. Ambos estavam envolvidos em perseguições. Nos dois casos, as versões utilizadas pelos jornalistas foram basicamente as da polícia. Se fossem filhos de grandes empresários, talvez o tratamento tivesse sido outro – como mostra a narrativa de Barcellos. Essas foram mortes que chegaram a ser notícia. Na mesma coluna, Paula menciona estudo que aponta a média de 29 crianças e adolescentes assassinados por dia no país.

O narrador herdado das histórias policiais da Série Noire, novelas publicadas em revistas pulp da França, não demonstra compaixão. Cenas violentas são narradas com frieza, sem nenhum tipo de pudor, característica artística desse tipo de literatura. Violência também é arte. Na vida real, quando o assunto são vítimas do despreparo da polícia, o tema tem que ser tratado com cuidado. O jornalista não deve deixar que a violência seja banalizada, ainda mais quando pessoas com pouca idade são as vítimas. Ele deve vestir a carapuça do detetive do romance negro, o Philip Marlowe que se arrisca e vai atrás dos dois lados da moeda. Depois, encarnar o investigador analítico, Sherlock Holmes que confronta as informações obtidas.

Para que histórias tristes não virem meras notícias de rodapé.

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