Minhas duas pequenas narrativas preferidas – Vilto Reis

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No começo, eu achava que a afirmação estava errada, aquela de que é bem mais difícil escrever uma narrativa concisa, que carregue todos os elementos de uma história. Mas o fato é que com o passar do tempo, e algumas aventuras como aspirante a escritor, percebi que é verdade; e a partir deste ponto, comecei a valorizar escritores que conseguissem este feito. É interessante ressaltar que quando falo de “pequenas” narrativas, refiro-me ao fato de elas serem compostas em poucos caracteres; o que não necessariamente as diminui em seu valor literário.

A partir desta perspectiva, procurei escritores que dominavam a escrita deste difícil tipo de história, até que cheguei à descoberta das minhas duas preferidas; são elas: Pequena Fábula, de Kafka; e Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial, de David Foster Wallace.

Ambas possuem vários pontos em comum, mas ante de me ater a estes pontos, vamos às pequenas narrativas:

 

Pequena Fábula, de Franz Kafka (publicada no livro Narrativas do Espólio)

‘Ah’, disse o rato, ‘o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro.’ — ‘Você só precisa mudar de direção’, disse o gato e devorou-o.

 

Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial, de David Foster Wallace (publicada no livro Breves Entrevistas com Homens Hediondos)

Quando foram apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para frente, com a mesma contração no rosto. O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.

 

Ao se fazer a leitura da obra de Wallace, percebe-se claramente a influência de Kafka, pois em ambos há uma agonia resultante da situação social, moral e particular diante do mundo que se vive. Nestas duas histórias, os aspectos podem parecer diferente, mas em muito se assemelham. Em Pequena Fábula, os personagens são animais, porém o apelo é notável. O rato narra sua condição, as paredes que o sufocam, na visão dele, impulsionando-o para um único fim, a morte; a qual acaba se realizando ainda mais cedo através da intervenção do gato. Já em Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial, o narrador, mais distante, apenas destaca o que está acontecendo. Há três personagens, todos em busca de aprovação; no entanto o que pode parecer diferente da narrativa de Kafka, na verdade apenas se aproxima, afinal os personagens de Wallace parecem também só enxergarem uma solução para suas vidas, a busca por uma aprovação que os preencha.

Talvez devido a temática, talvez por estes dois estarem entre meus escritores favoritos, mas estas são, sem dúvidas, minhas pequenas narrativas favoritas; as possibilidades de interpretação são múltiplas; e vale a penas conhecer estas e muitas outras resignificações que se abrem ao lê-las.

E você, tem uma pequena narrativa preferida?

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