A música sumiu

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Foto por Anuska Nardelli

A música sumiu das calçadas. Encontrei sons de pessoas tagarelando em seus celulares, ou junto com o pessoal da firma no intervalo do almoço, vendedores querendo agarrar a multidão pelo berro; nada de musicistas.

Talvez fossem tão amadores em seus instrumentos quanto eu, mas confiavam em sua loucura: um banquinho qualquer, ou nem isso – vai de pé mesmo, um violão pendurado à frente do corpo e algumas notas, pronto, minhas andanças pelo centro de Curitiba já estavam marcadas. Não era bem o meu tipo de canção, mas eu me acostumei com a presença sonora destes anônimos, e achava a calçada vazia quando não (ou)via um deles ao andar pela mesma quadra no dia seguinte.

Eu passava pelo mesmo lugar toda semana. Me tornei um caminhante previsível graças à mania de habitar as ruas por cerca de quarenta minutos do meu intervalo, às vezes mais. E houve um tempo em que eu encontrava em média três desses músicos em pontos distintos do meu trajeto, às vezes mais. Nas minhas últimas caminhadas tenho visto dois, às vezes bem menos. Pior que não faz tempo, foi de um mês para o outro que o número deles diminuiu.

Lembro de um dia ter visto quatro. Um no encontro do calçadão da XV de Novembro com a Praça Osório; outro na mesma XV em frente a uma grande agência bancária, distando cinco minutos a pé do primeiro; ainda nessa rua um trio se dividia entre trompete, bateria e baixo perto de uma galeria; voltei por ruas vizinhas e notei um senhor segurando um violão próximo ao cruzamento de outras duas vias lotadas de potenciais ouvintes.

Potenciais porque nem todos ouviam mais do que duas músicas, e olhe lá. E quem ficava nem sempre agradecia – leia-se, dava troco para um pingado. Se um cronista depende da bondade de estranhos para coletar suas linhas, esses músicos dependiam da vontade alheia para um lanche tão improvisado quanto seu palco. Uma vez vi uma latinha de refrigerante ao lado de um case, a lata ainda fechada e o case aberto com um mínimo volume de moedas nanicas preenchendo o espaço de repouso do instrumento.

Não sei o que aconteceu com esses artistas. Mudei meu trajeto na vã tentativa de topar com algum músico escondido, abrigado debaixo de uma marquise e querendo um canto onde tocar sem ter um raio de sol a lhe encostar a face. O espaço onde antes eu topava com um deles quase todo dia ficou grande, e nessa ausência de som eu adiciono uma nota ao meu réquiem enquanto busco reconhecer o coração do centro. Nesse vazio só o silêncio toca e quero acreditar que prepare a calçada para a próxima estação, quando o centro tiver um mínimo de música infindável mesmo quando o público vai embora.

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Nota do autor:  Escrevi essa crônica e um dia depois achei quatro músicos quando andava pela XV de tarde. Pessoal mudou de horário só para tirar com a minha cara.

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