Pluralidade romanesca

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Tantas vertentes na literatura brasileira atual mostram que a ausência de voz uníssona é justamente a voz dos tempos

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Do filme “The Color of Pomegranates” (1968), de Sergei Parajanov

Foi-se o tempo que, quando se queria entender um período literário brasileiro, escolhia-se, vá lá, três ou quatro romances de autores diferentes e tínhamos mais ou menos mapeado o cenário de produção nacional. Diferente do que se faz normalmente nas escolas ao se estudar literatura, modelo ao qual nos acostumamos, a literatura atual, a meu ver, não pode ser entendida segundo algumas características gerais que aproximariam as obras dando certa unidade ao nosso período literário ainda inominado. Tendo essa atitude, corre-se o risco de se cair em armadilhas.

De fato, ao falar de literatura contemporânea, sobretudo a produzida no final do século XX e nesse início de século XXI, parece ser difícil elencar características gerais e alguns escritores que as seguem da mesma maneira que se fazia ao estudar escolas literárias já consagradas, tais como romantismo, realismo, modernismo. Há aqueles que dizem que exista uma grande dificuldade em mapear a tendência literária atual. Mas o mapeamento, se é que ele pode ser feito, deve ser guiado justamente por essa pluralidade.

Entre outras palavras, a pluralidade é que guia a produção literária contemporânea. Os estilos são variados: pode-se ter um reinvento de um brutalismo à moda de Rubem Fonseca, a uma narrativa do eu, a apropriação de elementos da cultura de massa, metaficção historiográfica, literatura de deslocamento, fragmentação, literatura memorialista, entre outros. Todos convivendo entre si, sem escolher um modelo principal que deve ser seguido, embora possa haver certas preferências dentro do mercado editorial e/ou de um público leitor – talvez isso seja tema para um outro artigo.

Se pudéssemos olhar tantas obras de tantos escritores diferentes e apontar algumas características gerais, talvez disséssemos que haja um certo deslocamento de projetos coletivos para os individuais e particulares. Não parece haver um pensamento em relação a grandes causas como houve no passado, muito menos com um tom panfletário. Sem contar também que ideologias estanques parecem dar espaço a uma postura social e política múltipla e multifacetada. Isso não é um lamento, é apenas uma constatação dentro do que tenho percebido na produção literária atual. Aliás, todo esse artigo é apenas uma opinião pessoal, evidentemente guiada por algumas leituras que fiz, leituras das quais discordo em muitos pontos e concordo em outros. Para quem gosta de ler sobre o assunto, indico três livros: No país do presente: ficção brasileira no século XXI de Flávio Carneiro, Ficção brasileira contemporânea de Karl Eric Schollhammer e Contemporâneos de Beatriz Resende. Apesar de se tratarem de textos teóricos, a leitura é fácil e fluida.

Uma das razões de tamanha pluralidade é evidentemente o advento da internet. Hoje mais pessoas escrevem e publicam dando margem, evidentemente para que apareçam mais estilos e temas. Pode-se publicar textos não só em blogs, mas como em outras plataformas de redes sociais como facebook, tumblr e twitter. O próprio livro impresso, embora ainda seja cultuado como principal objetivo dos escritores, passou a dividir espaço com outras plataformas e deixou de ser apenas a única maneira de se publicar.

O romance, burguês por excelência, hoje ouve também a voz dos pequenos e normalmente excluídos da sociedade. Isso começou lá na primeira geração do modernismo, mas se intensifica no universo contemporâneo. Os protagonistas não vêm apenas da alta sociedade, mas podem ser trabalhadores comuns, caminhoneiros, moradores da periferia, traficantes, policiais, prostitutas, donas de casa, travestis, entre outros.

Outra característica peculiar dessa literatura contemporânea é a sua aproximação com a cultura de massa. Cada vez mais se vê a diminuição do abismo de valores entre altura cultura, cultura popular e cultura de massa. As três instâncias parecem, cada vez mais, dialogarem entre si. Aparecem, em várias obras, muitos elementos da TV, do cinema e das redes sociais. Não só a literatura presta serviços ao cinema, por exemplo, mas o cinema também influencia na linguagem literária – talvez isso também seja tema para um outro post.

Enfim, acredito que alguns elementos apareçam com mais força nas obras, mas não com força suficiente para serem totalizantes e guiarem uma leitura do que se é produzido hoje em dia. Faço agora algumas indicações de leitura separando-as por temática ou estilo. Evidentemente uma obra não se encaixa exatamente e apenas em uma dessas subdivisões que criei. Eu as inseri na categoria que mais saltou aos meus olhos. Cada um esteja livra para discordar e reclassificar segundo o seu entendimento da obra. Essa foi apenas uma tentativa de exemplificar o que vendo dizendo: que há várias maneiras de fazer literatura hoje e nenhuma delas é totalizante.

 

Literatura memorialista/imigração

Nihonjin – Oscar Nakasato

Dois irmãos – Milton Hatoum

 

Autoficção

Divórcio – Ricardo Lísias

O filho eterno – Cristóvão Tezza

Brochadas – Jacques Fux

Ribamar – José Castello

Nove noites – Bernardo Carvalho

 

Ausência de perspectivas

Acenos e afagos – João Gilberto Noll

A arte de produzir efeito sem causa – Lourenço Mutarelli

Harmada – João Gilberto Noll

 

Favela e vozes abafadas

Cidade de Deus – Paulo Lins

Inferno – Patrícia Melo

 

Romance histórico/metaficção historiográfica

A máquina de madeira – Miguel Sanches Neto

Boca do inferno – Ana Miranda

Santo Reis da Luz Divina – Marco Cremasco

Terra Vermelha – Domingos Pellegrini

 

Romance policial

Que fim levou Juliana Klein? – Marcos Peres

Dias Perfeitos – Raphael Montes

 

Literatura de Viagem

Todos Nós Adorávamos Cowboys – Carol Bensimon

Poltrona 27 – Carlos Herculano Lopes

Fé na estrada – Dodô Azevedo

Flores Artificiais – Luiz Ruffato

 

Fragmentação

Eles Eram Muitos Cavalos – Luiz Ruffato

Mínimos múltiplos comuns – João Gilberto Noll

 

Romance epistolar

De mim já nem se lembra – Luiz Ruffato

 

Romance poético/lírico

Vermelho Amargo – Bartolomeu de Queirós

Aos 7 e aos 40 – João Anzanello Carrascoza

Sinfonia em Branco – Adriana Lisboa

Lugar – Reni Adriano

 

Em torno da própria escrita

O ano em que vivi de literatura – Paulo Scott

faltou o título – Reginaldo Pujol Filho

Budapeste – Chico Buarque

 

Literatura e outros meios

As Fantasias Eletivas – Carlos Henrique Schroeder

A mão esquerda de Vênus – Fernanda Young

 

Massificação

Sexo e Amizade – André Sant’Anna

 

Violência

Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos – Ana Paula Maia

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios – Marçal Aquino

O cheiro do ralo – Lourenço Mutarelli

O matador – Patrícia Melo

 

Suspense/horror/fantástico

Vilarejo – Raphael Montes

Os sete – André Vianco

Filhos do Éden – Eduardo Spohr

 

Literatura do Eu/familiar

Rebentar – Rafael Gallo

Enquanto Deus não está olhando – Débora Ferraz

Galileia – Ronaldo Correia de Brito

O falso mentiroso – Silviano Santiago

Diário da queda – Michel Laub

A chave de casa – Tatiana Salem Levy

 

Distopia

A segunda pátria – Miguel Sanches Neto

Não verás país nenhum – Ignácio de Loyola Brandão

Cyber Brasiliana – Richard Diegues

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