Por que fazemos o que fazemos e a busca por motivação

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Por que fazemos o que fazemos?, de Mario Sergio Cortella, é voltado ao aconselhamento profissional, mas pode ser aproveitado de modo mais amplo para lidar com inquietações essencialmente humanas

Mario Sergio Cortella

Quando criança, queremos ser logo adultos. Fantasiamos um mundo de liberdade e escolhas infinitas, onde poderemos atuar sem restrições. Crescemos e entendemos que a liberdade de escolha não vem isenta de responsabilidade. Sofremos as consequências de nossas ações. Então, fantasiamos o retorno à infância, aquele mundo mágico de brincadeiras, onde nossa maior obrigação era guardar os brinquedos no lugar.

É fácil dizer que a vida adulta é difícil. Tentar torná-la mais agradável, buscar um equilíbrio saudável entre obrigação e satisfação, dever e prazer, esse é o ponto. O ponto em que dificilmente conseguimos chegar, porque nos apegamos às nossas desculpas. Temos contas a pagar, tarefas a cumprir, pessoas com quem nos relacionar, e administrar tudo isso é difícil, sim, porém necessário.

O ser humano é complexo e inquieto por natureza. O fato de nunca estarmos plenamente satisfeitos com a vida é o que nos motiva a continuar, criar novas metas e redefinir nossa rota em diversos momentos. Não se pode cair em armadilhas de uma busca infrutífera pela felicidade plena: a sociedade nos cobra a perfeição, satisfação profissional, pessoal, geral. Porém, se observarmos atentamente, os sorrisos Colgate estão cheios de cárie. Todos têm problemas, frustrações, sentimentos negativos, fases ruins. O que faz diferença é o modo como lidamos com todas essas questões.

Para o bem ou para o mal, é impossível escapar da vida adulta e de todas as problemáticas que ela acarreta. O filósofo Jean-Paul Sarte atribuiu todo peso da existência ao ser humano: somos responsáveis por nossos atos e sofremos as consequências. Portanto, realizar nossas ações com consciência pode ajudar a proporcionar maior qualidade de vida.

Afinal, por que fazemos o que fazemos? Esse é o título e o mote do livro recente de Mario Sergio Cortella, professor, filósofo e comunicador. Compreender quais são nossas motivações nos ajuda a estabelecer metas para tocar adiante nossos projetos. O livro é voltado ao aconselhamento profissional, mas pode ser aproveitado de modo mais amplo para lidar com inquietações essencialmente humanas. O trabalho, aliás, é algo que ocupa grande parte de nossas vidas e é fonte de muitas dessas inquietações.

Cortella comenta que a mentalidade em relação à carreira foi modificada: antigamente, trabalhava-se apenas por obrigação, com o objetivo de ganhar dinheiro; hoje em dia, busca-se também a satisfação, o reconhecimento, o crescimento pessoal e profissional. A nova geração procura, o máximo possível, trabalhar em uma área que lhe agrade, com a qual se identifique. Por um lado, isso é bom, pois gera profissionais mais motivados e eficientes. Por outro, é preciso tomar cuidado: nem sempre é possível fazer o que se gosta, e nunca é possível fazê-lo plenamente. Mesmo uma profissão que provoque bem estar no trabalhador envolverá uma parte burocrática, desagradável. Como professor, por exemplo, ele adora estar em sala de aula, porém não gosta de corrigir redações, ritual longo e cansativo. No entanto, corrigir redações faz parte de seu ofício: se ele deixar de fazer isso, não poderá acompanhar o progresso dos alunos. Todo trabalho exige, portanto, sua dose de sacrifício. Conforme o próprio Cortella evidencia, “trabalhar dá trabalho”.

Por que fazemos o que fazemos? (Planeta, 2016)

E todo grande projeto requer comprometimento, trabalho duro. O professor conta uma anedota. Após um concerto, uma senhora da plateia se aproxima do pianista e elogia sua performance, chegando a afirmar que daria sua vida para tocar daquela maneira. Ao que o pianista responde: “Eu dei. Foram quarenta anos de dedicação, de nove a dez horas diárias de esforço”. Tendemos a adiar o que realmente importa por preguiça ou medo. Idealizamos nos tornar um escritor famoso, por exemplo, quando sequer conseguimos terminar o primeiro capítulo do romance em construção. Cortella diferencia, assim, o sonho, que seria factível, do delírio, não factível. O delírio é o eterno “e se” que jamais colocamos em prática. Porque não há tempo, etc., etc., etc. E a vida passa enquanto nos chafurdamos na mediocridade de uma rotina morna, repleta de lamentos vazios.

Essas verdades incômodas, um tanto evidentes após confrontadas, são expostas de maneira clara e fluida por Mario Sergio Cortella. Ao longo do livro, são feitas referências a Marx, Hegel, Durkheim, dentre outros. Ainda que os pensadores sejam citados rapidamente para desenvolver algum ponto, é possível buscar posteriormente as referências, ir além do apanhado geral apresentado. O desafio é pôr em prática a filosofia existencialista e tomar as rédeas de nossas vidas, sem depositar na falta de tempo ou nos outros a causa de nossas frustrações.

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