Prefiro Rosa a Machado

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O mundo que rodeia os escritores e os leitores parece, de longe, refinado, tranquilo e comportado, certo?

Bem, não é bem assim que a banda toca.

Um dia, conversando com amigos literatos, ocorreu um evento um tanto espinhoso, eu diria.

Falavam sobre a precisão cirúrgica de Machado de Assis. Sobre a infalibilidade de seus textos e outras características atribuídas a ele. Éramos seis.

Eis que chegou a minha vez de render homenagens a Machado. E foi aí que o encontro de amigos ficou realmente peludo.

“E então Daniel? O que você acha do fato de Machado de Assis ser o maior escritor em língua portuguesa de todos os tempos?”, me perguntou Aninha.

Demorei um pouco para responder. O suficiente para gerar desconforto.

Engoli um pouco de saliva e respondi, “Não concordo”.

Olharam-me todos com olhos de lula irritada. Em cada olhar, a pergunta, “Como é que é?”.

“Prefiro Guimarães Rosa. Para mim, ele sim é o maior escritor em língua portuguesa de todos os tempos. Quem há de superar Grande Sertão Veredas? Que personagem há de superar Diadorim? Não, não, prefiro Rosa a Machado”.

Formou-se a confusão. O debate tornou-se acirrado. Felizmente não estávamos no Texas, caso contrário eu provavelmente teria levado uns balaços no peito e na cabeça.

Enquanto o pau comia, eu chegava à conclusão óbvia. Eles eram Flamengo, e eu estava tendo a ousadia de ser Vasco. Sim, há flamenguistas e vascaínos na literatura.

Depois de trinta minutos, a discussão esvaziou-se, mas o olhar de cada um deles não me enganava. Eu estava marcado. Acabara de me tornar, aos olhos deles, uma pessoa perigosa.

Tentei argumentar que eu não achava que os textos de Machado de Assis eram ruins, assim como não acho que Tolstoi tenha sido um péssimo romancista. Isso seria uma insanidade. Mas, devido às forças ocultas, quem sabe, preferia Rosa a Machado. Isso só piorou as coisas.

Então, disse-lhes, como último recurso, “Tem uns contos dele que eu gosto…”.

Foi como transformar água em Coca-Cola. Felicidade geral da nação. Chegamos a um acordo. Selamos a paz. Mas… Só entre nós. Não sou vascaíno, mas prefiro Rosa a Machado.

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