Proseando: A singularidade dos grandes escritores

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“Cada grande escritor é por si só uma literatura”. Ouvi essa frase em uma aula da graduação de um ótimo professor de literatura portuguesa. Achei altamente inspiradora. E verdadeira. Guardei para mim, como filosofia literária. Não me levem a mal, eu adoro teoria da literatura, assim como adoro estudar os estilos de época. Mas às vezes isso limita obra e autor. Os gênios são inclassificáveis.

Por exemplo, dizer que Machado de Assis é realista é pouco, muito pouco. Além de inconsistente, já que o próprio Machado era um grande crítico do Realismo. Ainda é mais coerente afirmar que o escritor se encontrava na transição entre Romantismo e Realismo. Mesmo assim, é pouco. Outros escritores também se encontram nessa transição, sem que tenham produzido a mesma literatura. A obra de Machado apresenta características românticas e realistas? Sim. Mas não só. Machado é um dos maiores investigadores dos mistérios do comportamento humano, expondo suas dubiedades, conflitos e hipocrisias, num pessimismo bem-humorado e sutil. Sua ironia fina e sua simplicidade sofisticada são inconfundíveis.

Para citar outros exemplos… Ainda na esfera do Realismo, temos Eça de Queirós (esse sim, bem realista, e duramente criticado por Machado). O escritor português participou ativamente do movimento realista, expondo de maneira clara (e magistral) em sua obra a denúncia social e o moralismo típicos da escola literária. Porém, se pegarmos o seu romance de fim de vida A Cidade e as Serras, percebemos um quê de romantismo na história do burguês que se cansa das modernidades da cidade grande e encontra sua paz num refúgio campestre. O Cortiço, de Aluísio Azevedo, apesar de ser frequentemente citado como maior representante do Naturalismo no Brasil, vai muito além disso. Uma vez eu li um artigo bem interessante sobre como a descrição de paisagens na obra se assemelha à pintura impressionista. Olavo Bilac foi um dos mais brilhantes poetas parnasianos justamente porque seus poemas possuíam um lirismo pouco comum à escola. E por aí vai!

Tanto é verdade que os grandes escritores ultrapassam qualquer classificação literária que alguns deles são de fato criadores de estilos. Um conjunto de características específicas fundamentam o estilo machadiano, queirosiano, balzaquiano, etc. Mas uma característica costuma ser comum a todos eles: a universalidade. Por isso se perpetuam através dos tempos.

Dificilmente um escritor se encaixa totalmente em um só estilo. Se for realmente bom, ele vai criar seu próprio estilo. E é essa variedade que enriquece a literatura. Eu até compreendo certas categorizações como necessárias para facilitar os estudos, para a praticidade de uma classificação, que nunca é 100% precisa. Mas, se possível, vamos além. Podemos aprender muito com o(s) universo(s) literário(s) desses grandes autores.

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