Quem é o assassino? (ou por que ainda lemos romances policiais)

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Ainda hoje muitos de nós ainda lêem romances policiais. Mas você já parou para pensar por quê?montagem

Dashiell Hammett, Sir Donan Coyle, Edgar Allan Poe e Agatha Christie.

É um fato inegável que o romance policial faz sucesso até hoje. Na verdade, se formos seguir a fundo, veremos que esse tipo de literatura – relegada a segunda por alguns – é base de toda a literatura (pós)-moderna, da alta à baixa, por onde poucos  passaram sem ao menos serem arranhados por essa estrutura.

A questão persiste por de mais de dois séculos: por que o romance policial continua em voga?

A resposta pode estar no simples fato da sua estrutura: temos um crime – normalmente um assassinato, mas também pode ser um roubo – e o resto da trama se baseia em saber o quem, onde, quando, e, principalmente, por que (Talvez a maior inversão da qual tenho notícia dentro do romance policial seja A Louca de Maigret, onde o crime ainda não aconteceu e a vítima insiste em avisar o comissário Maigret que está prestes a ser morta – até isso inevitavelmente ocorrer).

Aqui se estabelece a estrutura dupla responsável por fazer a maioria de nós lermos mesmo sabendo, até certo ponto, onde tudo vai acabar. Temos duas tramas estabelecidas: a primeira sobre o crime e a trilha percorrida pelo(s) culpado(s) seguiu(ram) até praticar o ato; a segunda é a do investigador e as peripécias que ele passa para chegar. Ter um objetivo bem estabelecido, mesmo conhecido por parte do leitor, faz com que tenhamos um contrato de leitura com a narrativa, sabendo desde a partida aonde iremos chegar. O interessante, por vezes, não é saber quem, mas por quê. Conhecer os caminhos que levam uma pessoa a sair da linha cotidiana dos seus atos para cometer um delito é instigante, bem como saber qual caminho o investigador seguiu para chegar ao(s) culpado(s).

Nesse ponto, também podemos apontar o segundo trunfo do romance policial.

Normalmente, os investigadores desses crimes seguem caminhos diversos para chegar ao seu objetivo. Podemos criar categorias e subcategorias, ajustando por métodos, características etc. O fato, contudo, é que essas personagens ou o caminho narrado até chegar ao fim, por mais que a forma seja fixa, podem ser tão diversos que na maioria dos casos não conseguimos parar de ler.

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Georges Simenon, criador do comissário Maigret.

Alguns exemplos sempre ajudam. Então, vai abaixo uma breve amostra de tipos e características.

Dostoiévski não foi o primeiro a fazer romance policial. Foi ele, porém, o primeiro a dar profundidade psicológica muito além do imaginado. Duas dessas obras funcionam na base de um crime e com a mesma estrutura – cada qual posta de uma forma diferente. Em Crime e Castigo, como o nome diz, temos um crime. O estudante Raskólnikov planeja (ou não) um assassinato e o comete. O caso é que as coisas acabam fugindo ao seu controle, tanto no momento do crime como depois. Vemos durante o resto da narrativa o crime de Raskólnikov ser investigado pela polícia até se chegar ao culpado. Já em Os Irmãos Karamazov, o crime acontece bem no centro da narrativa, deixando-nos quinhentas páginas em busca do culpado. Ao contrário do primeiro romance citado – no qual o onde, quando, como e por que é dado desde o início -, aqui temos uma construção de várias razões que levariam qualquer um dos personagens a cometer o assassinato, a ação em si e a subseqüente tentativa de resolução dos vários suspeitos. Devemos admitir que ambos os textos são muito mais profundos em comparação a uma simples narrativa, mas esse pano de fundo, ao convergir com outros pontos, acrescenta e se torna ponto central das tramas.

Não podemos falar de romance policial sem falar em Agatha Christie, a rainha do crime. Suas narrativas nunca foram muito longe do que Edgar Allan Poe e Sir Conan Doyle haviam feito até ali. O bigodudo Poirot tem um caso e usa de suas técnicas lógicas para resolver todo um caso apenas sentado em sua mesa, deixando a busca selvagem aos outros detetives da Scotland Yard esse método de “cães de caça”, segundo ele. Mesmo assim, a autora, ainda hoje, tem uma legião de fãs mundo afora que se sentem cativados pelos ares aristocráticos e rabugentos do detetive ao esquadrinhar tudo e todos até chegar ao culpado. Seja em Londres ou em Istambul, a curiosidade despertada por Agatha e Poirot é a mesma – e nós ficamos aqui, lendo sem fim seus romances.

O último caso desta rodada é o pai literário de Dan Brown: Umberto Eco e o seu O Nome da Rosa. Nada mais pós-moderno do que juntar o velho e o novo, a alta cultura com a baixa: aqui, por exemplo, temos o novo e desprezível romance policial com o velho e elevado romance histórico. Em meio à Idade Média, Eco, na época já um respeitado professor de Semiologia, mostra a busca de um frade franciscano e de um noviço ao autor de vários crimes dentro de uma abadia. Há quem diga que Eco criou toda a trama para poder matar alguns padres e acabam virando a cara ao romance. Muitos outros vieram depois dele, isso é fato – e Dan Brown é só o mais famoso dentre eles. Unindo o velho e o novo, a busca improvável em um cenário nada comum de crimes é a prova de que o gênero, embora tenha algo de kitsch, pode sempre se reinventar e continuar nos cativando.

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Poderíamos ter citado vários outros nomes, é verdade. De Poe a Simenon, passando por Raymond Chandler, Dashiell Hammet e Rubem Fonseca – para citar ao menos um autor nacional. O texto é curto e as possibilidades, infinitas. Então, sobra a nós leitores nos divertirmos em meio às tramas cativantes que o romance policial tem a nos oferecer.

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