Quem é o leitor?

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Leitor do que?

Fonte: Google
Fonte: Google

O café, o papo e a leitura vão e vem, e a gente aí lendo a interpretação de uma obra literária, ou sobre escrita mesmo. E quase sem querer ela aparece, definindo e dizendo o que a gente acha que sabe que é, e aceita essa palavra assim mesmo: “leitor”. Porque nós somos leitores, de fato; e aceitaria do mesmo jeito se aquele texto tão específico não fosse ‘escrito para a gente’, não mudaria esse título que as obras nos dão: leitor.

É fácil emendar uma pergunta: leitor do quê? Dessa minha crônica aqui no Homo Literatus, conversa fiada dedicada à escrita e à leitura? Leitor de romance, ou melhor, de romance brasileiro contemporâneo; talvez de não ficção, privilegiando ensaios, reportagens, biografias, crônicas e companhias com mais pés na realidade. Pode ser leitor de poesia, desses que respiram versos e cavam os autores mais obscuros possíveis do gênero; também ha quem guie suas leituras de um jeito ainda mais específico, por época e idioma (romances de língua inglesa do final do século XIX, alguém?), ou buscando as referências de um autor que gosta (a Odisseia de Homero inspirou James Joyce no Ulysses, e vai saber quantos discípulos Borges tem hoje). Todos leitores.

Essa palavra resume o infinito, pois a gente imagina ter noção de quais leitores vão receber uma obra, um texto sobre literatura. E ao mesmo tempo nos diz como não sabemos tanto, porque é impossível alcançar todas as categorias de leitores ao mesmo tempo – como também é impossível ler tudo que se quer de uma só vez. A pessoa que hoje passa longe de um post pode ler amanhã, se estiver disposta, ou se receber uma indicação de um amigo. Do mesmo jeito, o ‘leitor’ do texto sobre texto pode vir aqui direto, e deixar pra depois apenas porque não era bem o que esperava.


Na coletânea Teoria da Literatura, reunião de textos dos formalistas russos organizada por Tzvetan Todorov, lemos em um artigo de Boris Tomachevski que “a palavra ‘leitor’ designa em geral um círculo bastante mal definido de pessoas, que de muitas vezes o próprio escritor não tem conhecimento preciso. A imagem do leitor está sempre presente na consciência do escritor, ainda que só abstrata, ainda que exija do escritor que ele se esforce para ser o leitor de sua obra” (p.306).  Isso que é um ensaio de teoria, material da década de 1920. Se um estudioso de literatura dizia isso há mais de meio século, imagine a gente hoje.   

Por mais que se tente conhecer melhor quem nos lê, ainda temos imagens, nem sempre fiéis ao todo que compõe um público leitor. É uma pretensão bem ridícula, principalmente quando se busca monitorar quais textos são mais ou menos lidos e, pretensão ainda mais ridícula, escrever um na mesma linha de um supostamente ‘lido por muitos’. Apenas para perceber que um redator às vezes parece um cachorro correndo atrás da própria cauda, andando em círculos atrás das mesmas questões. Inclusive saber quem lê o texto, quem é o tal do “leitor” – e quem se pergunta isso pode ser o leitor de outra pessoa que faça essa pergunta.

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