Resenha: Fábrica de Diplomas – Felipe Pena

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Fábrica de Diplomas, de Felipe Pena, é um desafio ao pensamento acadêmico para os melancólicos; uma aventura policial e investigativa para os coléricos; o desejo de uma solução para os fleumáticos; e o desafio de encontrar respostas para os sanguíneos; mas com ironia de sobra para todos eles.

A história se inicia com a perseguição de uma estudante, Adriana Mais, que acaba sendo baleada na entrada do Campus da Universidade Bartolomeu Dias. Neste contexto, o psicanalista Antonio Pastoriza é chamado pelo reitor, Jaime Ortega, para investigar o caso. Daí em diante, passa a acontecer um desfile de personagens, o que acaba não sendo demérito algum, já que todos eles são dotados de personalidades distintas e profundas. Sem repetir a fórmula Sherlock Holmes e Dr. Watson; Pastoriza, o personagem principal, tem a ajuda de Ignácio Rover, o chefe de segurança da universidade. A dupla vai à busca da solução do caso, tendo como única prova o papel que Adriana Maia segurava quando foi baleada; o qual possuía, aparentemente, apenas a letra de um Funk. Alguém sabotou as provas sobre quem é o atirador. Tudo isso, bem na semana em que o reitor negociava a venda de parte da universidade para um grupo de investidores americanos, com o intuito de saldar o déficit financeiro.

O livro de Felipe Pena é uma convergência de várias críticas à nossa estrutura social; entre elas, ao consumismo, embora de forma breve, por exemplo ao falar sobre os Shopping Centers da Barra da Tijuca, “Diferentes igrejas para a mesma fé, representada por sua trindade sagrada: consumo aparência e ignorância”. (pg. 20). Outra exposição interessante do autor é a explanação do “papel” da mídia no contexto da história, através da personagem Nicole Barros, repórter da TV e professora da Bartolomeu Dias. A personagem é ativa e fundamental para o desenrolar da trama, já que sua personalidade ágil, mostra as futilidades da grande mídia; sempre buscando um Bode Expiatório em quem descontar a responsabilidade pelas falcatruas dos “grandões”. A verdade não interessa, somente a notícia que dá Ibope, que rende prêmio e alavanca o: você me deve um favor e eu irei cobrar da forma que mais te prejudique; revelando um jogo de domínio que o quarto poder exerce. Outro detalhe notável desta personagem é seu desempenho em sala de aula como professora, embora Pena exponha bem o nível crítico de nossos alunos, hoje, que frequentam as salas de aula; como no trecho abaixo, o qual embora extenso seja válido ressaltar:

Dizia a professora Nicole: “… para a turma de sessenta pós-adolescentes na sua frente. […] Uma pequena parte, não mais que cinco ou seis estudantes, conseguia acompanhar o pensamento da professora e esboçar algum talento nos exercícios práticos. Outros trinta ou quarenta apresentavam um rendimento mediano, suficiente para passar na facilitada prova final, mas incompatível com o mercado de trabalho, para o qual jamais estariam preparados. E ainda havia o pessoal do fundo, cuja a presença na sala era apenas física, Já que não tinham os instrumentos básicos para a profissão, como raciocínio lógico e um razoável domínio da língua portuguesa”. (pg. 64).

Outros personagens ótimos habitam o fictício, mais do que real, mundo de Felipe Pena; como o analfabeto Lucas, que dois anos antes havia sido aprovado no exame da Bartolomeu Dias mesmo sem saber escrever;  e que acaba sendo vital para o enredo tipicamente carioca do autor.

Não poderia deixar de citar Manoel Capacho, um dos três conselheiros de Jaime Ortega, de quem o escritor nos premia com mais uma de suas ironias, logo no início do livro, pg. 20, ao descrever o homem: “Não é possível ser simplesmente gordo. A menos, é claro, que você apresente um programa de entrevistas no final da noite”.

A contínua crítica do escritor contra a “educação de mercado” parece ser menos feroz apenas do que a crítica à ostentação do título; fato que se torna mais evidente na fala de Jaime Ortega:

Fulano é doutor: todo mundo diz amém. Grande bobagem. A pessoa pode ser analfabeta e ser muito expressiva, muito inteligente, bem-sucedida. E pode ser um pós-graduado e ser uma besta. A cultura dos bacharéis é a mais imbecil das invenções nacionais – disse o reitor”. (pg. 172).

Partilho da opinião de Pena sobre o assunto. De que nos servem títulos, quando apenas estamos financiando um diploma a prestações, sem enganar ninguém, pois todos saber que desta forma não se adquire conhecimento; no máximo, erudição para ficar repetindo os outros. A busca do conhecimento real acontece por interesse próprio e não pagando por um pedaço de papel.

As frases de efeito e o texto metodicamente construído no livro Fábrica de Diplomas levam a capítulos curtos que começam com máximas, como esta do capítulo 10: “O primeiro imbecil a chamar o magistério de sacerdócio condenou os professores a viver de esmolas”. (pg. 104); e terminam com ganchos que despertam a curiosidade do leitor sobre o que acontecerá no próximo capítulo; uma fórmula que recompensa e faz render o processo de leitura.

Para encerrar, digo que o livro é uma leitura para corajosos que não têm medo de enxergarem na literatura o grito anarquista, o qual denuncia as injustiças e faz piada com a realidade, desmascara as ilusões e dá um soco no estômago daqueles que acreditam que tudo está normal.

Este é o livro de Felipe Pena, Fábrica de Diplomas, o primeiro do que ele chama de “A Trilogia do Campi”.

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