Resenha: O Professor do Desejo – Philip Roth

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Philip Roth

No meu caso, grandes livros rendem resenhas extensas e confusas; portanto, O Professor do Desejo, de Philip Roth, publicado pela Cia das Letras, não poderia ser diferente.

Comecei frustrando-me com as primeiras cinquenta páginas, mas já explico a razão. David Kepesh, o personagem principal, que vai narrando a história em primeira pessoa, está cursando a graduação em Artes Cênicas; e, logo após, recebe uma bolsa para ir fazer pós-graduação em Londres; no entanto, em sua nova residência, ele descobre uma outra face de sua personalidade, uma espécie de “mania sexual obcecada”. Lá se vão cinquenta páginas de descrições das aventuras sexuais do sujeito; não nego que fiquei a pensar: então isso é Philip Roth!? Para minha alegria, esta introdução era apenas uma jogada do escritor para lançar as bases de seu personagem, pois a partir daí, David resolveu voltar aos EUA e cursar um Doutorado em Literatura, com o intuito de levar a vida “mais a sério”. Roth dá um pulo temporal, levando o leitor já ao personagem formado e agora atuante na profissão de professor universitário. Então realmente começa o livro, na minha opinião, pois o personagem começa a dialogar consigo mesmo a respeito de sua condição, de seu anseios (desejos reprimidos?). O mais interessante é que o livro não fica dando voltas por monólogos entediantes, mas sim vai pulando de situação em situação, envolvendo o leitor, sem recair a truques baratos de romances de fôlego.

o-professor-do-desejo-phillip-rothCom objetivo de evitar as revelações da trama, que certamente dão gosto à obra, não citei o nome de outros personagens com quem David se envolve, mas certamente este é um ponto que faz o livro valer a pena.

Impossível não admitir que a prosa de Philip Roth me impressionou, ela consegue não recair a uma linguagem simplória, como muito se vê por aí; porém não se entrega a um eruditismo dissimulado, do tipo que acredita que rebuscar o texto o faz mais inteligente ou complexo. O ritmo do livro também não faz por menos, consumi facilmente suas duzentas e cinquenta páginas em dois dias. A impressão que se tem é que não existe nada ali que não seja necessário, cada elemento tem sua utilidade para a compreensão do leitor – algo digno da arma de Tchekhov, “Se no primeiro ato você tem uma pistola pendurada na parede, então, no último ato você deve dispará-la”.

E por falar em Anton Tchekhov, fica claro que Roth bebeu muito na fonte, já que o personagem principal, como professor acadêmico, ministra aulas sobre o escritor russo; desta forma, os acontecimentos da vida de David são por ele mesmo comparados à ironia das histórias tchekhovianas. Outro escritor “homenageado” é Franz Kafka, pois mais para o fim do livro, o protagonista, incumbido de ministrar um seminário sobre ele, passa a estudar o tcheco profundamente, fazendo assim várias comparações de sua condição em paralelo com a literatura kafkaniana.

“Às vezes me pergunto se O Castelo não está realmente ligado ao bloqueio erótico de Kafka – um livro que se relaciona em todos os níveis com a incapacidade de se atingir o clima”.

Para encerrar, quando acabei de ler O Professor do Desejo, senti-me como se tivesse levado um baque no peito, um impacto firme e preciso, que veio definir vários dos meus conceitos sobre construção de histórias. É, sobretudo, um livro bastante humano, daqueles que fazem a ficção parecer mais real do que a realidade, diante do quão é profundo.

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