“O Cheirinho do amor” – as crônicas safadas de Reinaldo Moraes

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As crônicas de Reinaldo Moraes transpiram sexo em todos os formatos e posições imagináveis.

Reinaldo Moraes
Reinaldo Moraes

O Cheirinho do amor (Objetiva, 2014) reúne um conjunto de crônicas organizadas a partir do eixo aromático evidente: o sexo. As 36 crônicas transpiram sexo, em todos os formatos, posições, gêneros, ideologias e diversidades imagináveis.

Os textos não são inéditos, foram publicados na revista Status, na qual Reinaldo Moraes colabora periodicamente – apenas O desejo em dois tempos é inédito. E sobre essa compilação do seu trabalho, o autor faz questão de apontar na introdução que o público-alvo atende a demanda da revista em questão, ou seja, predominantemente masculino.

Sim, é preciso ter essa perspectiva em mente ao ler O pênis, esse glorioso factótum, que coloca o membro masculino e a primeira ereção no seguinte patamar:

“Pois então, o fato é que primeira ereção consciente, fremente, latejante, urgente e ejaculante a gente nunca esquece. Pro homem, é o ato fundante da sua identidade masculina (…) Pênis, logo existo.” (p. 58)

Porém, a qualidade textual, num exercício de carpintaria percebido através da capacidade de criar expressões (“suruba clerical”, “inconsciente traquinas do swingeiro”), e neologismos rigorosamente arranjados. Além de uma incrível sintonia com as angústias modernas ligadas aos tabus do sexo, traduzindo-as sob o ponto de vista do humor, e assim superando qualquer tipo de crítica que possa ser feita junto a questões de gênero, por exemplo.

Quem já conhece um pouco da trajetória de Reinaldo Moraes, Tanto Faz em 1981, seguido de Abacaxi (1985) e um hiato de 18 anos da literatura, para em 2009 lançar o já clássico Pornopopéia, vai conseguir reconhecer, além da temática do sexo, elementos como a boemia visceral, a música de cabaré ou então o apego de tiete para com Julio Cortázar. Aliás, o próprio Moraes chegou a se encontrar com o escritor argentino quando estava na França, o que ele já escreveu em um longo texto publicado na revista Piauí, e vez ou outra faz questão de retomar nas suas narrativas – em Cheirinho de amor isso não é diferente.

Se tivesse que escolher uma crônica, àquela que serve para ilustrar o tanto de talento que Reinaldo Moraes tem em criar personagens, histórias, e tudo mais que tenha como ponto de partida [e chegada] o sexo, esse seria À procura da bundinha perdida. Ali existe algo muito próximo da forma como ele constrói Capa_O cheirinho do amor.aiseus romances, humanizando e trazendo nuances para seus personagens a partir do seu tema predileto. E olha que, mesmo curto, não mais que seis páginas, o autor dimensiona de forma impressionante, a partir de um telefonema, o que seria a vida do ex-casal Fred e Lenora nos dias de hoje.

Mesmo com suas qualidades, o formato de texto ligeiro, na beira do produto descartável – não podemos esquecer, ele escrevia para uma revista que lhe ditava alguns temas – acaba por prejudicar algumas crônicas. Quando lidas de forma espaçadas, na periodicidade da época, com toda certeza funcionava, mas reunidas, perdem um pouco da força, e Reinaldo é traído pela repetição.

Além disso, alguns textos ficaram datados. Esse é o caso A escola de sexo, sobre a faculdade fake da Dinamarca que gerou bastante manchete, ou então a situação de Marlon na quarta edição da Fazenda, retratada no texto Onan, quem diria, parar no dr. Irajá e, por fim, o caso de Ingrid Migliorini, a catarinense que decidiu leiloar a virgindade na internet que aparece em O Belo Antonio e as virgens perpetuas e Ferro na boneca.

Mesmo com os problemas que qualquer reunião de textos que não foram pensados em conjunto possam trazer, Reinaldo Moraes ganha o leitor pela capacidade aromática do seu livro, que sim, exala o cheiro proposto no título. E por esse motivo, ou para conhecer o escritor, já está valendo!

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