Tijolos a mais

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As estradas e ruas são meros convites às surpresas da metrópole, abrigo de infinitas e até contraditórias sensações

VisualHunt.com
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Eu estava a no mínimo bons quinhentos quilômetros longe de casa. Anos que não pisava naquela terra, e a lembrança da última vez – pelo menos oito anos atrás – ficou borrada e tornou-se apenas um nome; até eu receber um convite do meu avô pra viajar até lá. Ele iria passar em algumas cidades do Rio Grande do Sul com um grupo turístico, e como tinha espaço sobrando no porta-malas do ônibus que ia levar o grupo, aceitei o convite.

Adianto que mesmo sendo bagagem falante, deixei as malas descansarem no bagageiro e fui com as pessoas. Acompanhei um pouco suas conversas e às vezes me intrometendo nelas, e pude perceber no grupo amizades e parcerias antigas buscando novos terrenos, fossem cidades inéditas para si ou cantos desconhecidos das já visitadas, no fundo duas maneiras diferentes de saciar uma saudade particular da descoberta.

Sensação plenamente atingida antes mesmo de chegarmos ao Rio Grande do Sul. As palavras mais precisas do nosso idioma traduzem ainda que pouco a beleza das paisagens: filetes d’água quebrando o contínuo verde arbóreo das estradas, também desenhadas com bifurcações de rumo incerto, trechos curtos em linha plana agigantados por um relevo desnivelado, ruas aonde o asfalto ainda não chegou em pleno contraponto as grandiosas construções às quais conduzem – talvez o bastante para alguém se perguntar como estas foram levantadas em meio à falta de contato com o resto do mundo.

As estradas e ruas são meros convites às surpresas da metrópole, abrigo de infinitas e até contraditórias sensações. Passeios confortáveis de dentro de um ônibus pelas ruas revelam uma cidade: casas decoradas em homenagem às culturas dos imigrantes de eras passadas, a ordem das construções, possíveis decorações graças a uma época do ano. Por sua vez, as andanças a pé revelam uma cidade com vistosos canteiros de flores dispostas como em uma pintura ordenada, arquiteturas que forjam alianças entre o passado e o presente, às vezes uma pedra de cor diferente nas calçadas marcando espaço, placas de ruas com enfeites como se dissessem ‘estou aqui’ em sua própria linguagem visual.

Tão própria como pequenas ações de quem mora nas cidades. Uma pessoa debaixo de uma marquise com indiscreto smartphone na mão direita e a mão esquerda cuidando de uma cuia de chimarrão, bebida também presente no guichê de uma recepção de hotel às sete da manhã, vá saber se era uma troca de turnos entre plantonistas noturno e matutino ou passada a limpo no expediente antes de entregá-lo aos colegas da manhã, mas arrisco a certeza de ser um ritual necessário àqueles que vivem passando térmica e cuia ao próximo.

Tão necessário quanto uma pausa após o café da manhã em um hotel ou uma parada em um grande posto antes de voltar à estrada. Não perguntei aos demais do grupo quais foram as sensações da viagem, e nem era necessário. A união das memórias de viagens passadas com a presente; as imagens mentais dos locais visitados; os modos dos habitantes deles para quem podemos ser instrusos, o que não os impede de nos contar a sua visão da cidade como se por acaso a gente topasse com o mesmo taxista duas vezes seguidas. Ao contarmos sobre uma viagem revelamos não apenas o que nos alegra ou nos estranha em uma cidade, mas principalmente acrescentamos tijolos à cidade que moldamos internamente.

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