12 Anos de Escravidão: livro e filme

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12 Anos de Escravidão: livro e filme

O filme é mais impactante pelas possibilidades de exploração dos elementos visuais e das cenas de ação. O livro possui uma reflexão mais filosófica por parte do narrador. 12 anos de escravidão vale a pena

Solomon Northup (1808-1863) era um homem livre, filho de ex-escravos, nascido em Nova Iorque; possuía terras em Saratoga, onde vivia com sua família, esposa e três filhos. Em 1841, enquanto sua esposa viajava com os filhos para visitar alguns parentes, Solomon recebeu um convite de dois cavalheiros para tocar violino em Nova Iorque. Acreditando que não iria demorar e que ainda conseguiria uma renda extra, ele partiu com os rapazes e foi convencido a prosseguir viagem até Washington. Numa noite, começou a se sentir mal (acredita ter sido drogado e nega que tenha ficado bêbado), iria ser levado ao hospital, mas desmaiou antes que pudesse chegar lá. Quando acordou, estava preso por correntes numa sala escura. Os papéis que garantiam que era um homem livre estavam perdidos. Homens entraram na sala e começaram a açoitá-lo quando ele afirmou que era livre e vinha de Nova Iorque. Ele foi vendido com um grupo de outros negros. Passou por três senhores, viveu doze anos em cativeiro até conseguir se comunicar com sua família, que providenciou sua libertação. Como era letrado e culto, resolveu escrever relatando sua experiência, o que deu origem à obra 12 Anos de Escravidão, adaptada para o cinema em 2013.

O livro é dedicado a Harriet Beecher Stowe, autora de A Cabana do Pai Tomás, romance importante sobre a escravidão, que inspirou os partidos abolicionistas da época. Por coincidência, Northup trabalhou em uma plantação na região do rio Vermelho, por onde o fictício Pai Tomás também teria passado. A história de Solomon, porém, é real. A tendência realista da literatura do século XIX, que visava representar a realidade o mais fielmente possível, normalmente com certo viés de crítica social, deve ter contribuído para a escrita e o sucesso da obra. Northup afirma que pretende relatar sua experiência com o maior grau de precisão que sua memória permitir, chegando a mencionar detalhes do funcionamento do trabalho nas plantações e descrições físicas dos personagens, apesar de ter trocado alguns nomes.

Seria pertinente, portanto, questionar, do ponto de vista da crítica literária, se 12 Anos de Escravidão teria valor apenas como documento histórico ou se também teria alcançado méritos artísticos, com uso estético particular da linguagem. Acredito que uma interpretação não exclui a outra. Mesmo se tratando de caso real, o livro comporta bem as características do romance, em forma e conteúdo. Além disso, por mais que a história tenha de fato acontecido, o relato feito por Northup não deixa de ser subjetivo, pois trata-se de sua visão sobre os fatos. Atualmente, discute-se muito sobre o gênero da autoficção, em que há algo de vivido e algo de inventado, em especial situações traumáticas, de onde provém a necessidade do desabafo através da literatura. O caso de Northup é parecido, com a particularidade de mesclar história e arte, pelo enredo potencialmente ficcional.

Tanto é assim que o livro rendeu uma adaptação recente para o cinema, vencedora do Oscar. É uma história que continua a interessar o público, por seu caráter catártico. O interessante é que nem o livro nem o filme apelam para o melodrama, apesar do tema sofrido da escravidão. As emoções despertadas ao ler ou assistir a produção são naturalmente provocadas, pois fazem parte de um instinto natural de humanidade. Há também um elemento épico na saga de Northup, sua aventura é envolvente. Questões como identidade, esperança, luta, sobrevivência, compaixão ou crueldade são universais.

O filme é mais impactante pelas possibilidades de exploração dos elementos visuais e das cenas de ação. O livro possui uma reflexão mais filosófica por parte do narrador. O enredo original é bastante preservado, com pequenas adaptações necessárias. Vale a pena ter acesso aos dois.

Solomon aponta, no romance, que, como homem livre, negligenciava, de certa forma, o problema da escravidão, sem compreender muito bem como os negros poderiam se submeter a esse tipo de regime. O sequestro e confinamento, a convivência com outros escravos e a violência física e psicológica sofrida despertaram sua consciência para a realidade da época. Ele se tornou mais engajado politicamente, tendo ajudado na libertação de escravos, denunciado agressores, perante a lei e com sua contribuição literária. O ex-escravo não condena especificamente os senhores de escravos ou seus sequestradores, sua revolta maior é contra o sistema de escravidão que a sociedade aceita durante tanto tempo. Ele observa como os filhos dos senhores eram criados de modo a achar natural a superioridade dos brancos em relação aos negros, perpetuando a mentalidade. No entanto, havia senhores mais humanos, como o pastor Ford, primeiro para quem trabalha após ser vendido, que tratava os negros com respeito e dignidade. Northup também revela que ninguém se conforma de verdade com a condição de escravo, mesmo os mais ignorantes sofrem e desejam sua liberdade.

A escravidão foi um período muito forte na história dos países coloniais. Certamente podem ser encontradas várias semelhanças na situação de exploração da mão-de-obra negra nos Estados Unidos e no Brasil. Em 12 Anos de Escravidão, são mostrados os castigos contra os escravos, em especial as chibatadas, o abuso dos senhores em relação às escravas, os ciúmes doentios da senhora, elementos igualmente presentes na história e na ficção brasileiras. Solomon, renomeado Platt quando escravizado, afastado de sua família, consolado apenas por seu violino, pela fé em Deus e pela esperança de reencontrar seus conhecidos, faz com que sua luta pela liberdade se torne épica e universal.

Referência

NORTHUP, Solomon. 12 Anos de Escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

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