1933 Foi um ano ruim, de Jonh Fante, ou viver para seu sonho

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1933 Foi um ano ruim, do romancista estadunidense John Fante, é o tipo de romance que lemos e desejamos que pessoas (sensíveis) ao nosso redor também o leiam. Trata-se de uma obra ambientada entre a miséria e os sonhos, baseado em fatos autobiográficos. Foi publicado postumamente, em 1985 — Fante faleceu em 1983, em decorrência da diabetes, que inclusive o cegou¹ —, ficou inédito durante anos, e só veio a ser publicado graças ao escritor Charles Bukowski, que foi quem o resgatou.

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John Fante

O livro narra a história de Dominic Molise, um garoto de 17 anos, filho de uma mãe extremamente religiosa e de um pai pedreiro, que tenta a todo custo convencê-lo a seguir sua mesma profissão, ambos são imigrantes italianos. Dominic deseja fugir do frio do estado norte-americano do Colorado e tem um sonho, um grande sonho, que é ir para a Califórnia ser um jogador profissional de basebol. No entanto, ele não tem dinheiro nem mesmo para pagar um teste de entrada no clube que deseja — o Chicago Cubs. Mas não só ele sonha, todos de sua família sonham, a casa era ambientada por sonhos, repleta deles:

Fiquei lá deitado na noite branca, observando minha respiração subir em plumas enevoadas. Sonhadores, éramos um bando de sonhadores. Vovó sonhava com sua casa na remota Abruzzi. Meu pai sonhava em estar livre das dívidas e assentar tijolos ao lado do seu filho. Minha mãe sonhava com sua recompensa celestial e um marido cordial que não fugisse. Minha irmã Cara sonhava em tornar-se freira, e meu irmãozinho Frederick, mal podia esperar para crescer e se tornar um caubói. Fechando os olhos eu podia ouvir o zumbido dos sonhos pela casa, e então caí no sono. (FANTE, 2008, p.39)

Em meios aos sonhos, Dominic aguenta a sua vó extremamente ranzinza; o pai, que trai a sua mãe e ainda pede segredo ao filho, além de exigir que o filho seja pedreiro como ele e desdenhar de seu grande sonho; e os irmãos. Seu único amigo é Kenny, filho de um homem riquíssimo, que tem uma irmã chamada Dorothy, uma moça refinada, por quem se apaixona. Dominic julgava-se feio: ruivo, com sardas e orelhas desajeitadas.

Dominic tinha talento, poderia ser, sim, um grande arremessador de basebol como sonhava.  Segundo ele, era capaz, pois tinha uma grande dádiva concebida em sua vida de miséria: o Braço (assim com letra maiúscula, quase um personagem). O Braço esquerdo do garoto era vigoroso e muito potente.

Um ponto importante a destacar nesta narrativa é a questão religiosa, marcada fortemente no primeiro capítulo. O protagonista explana diversos questionamentos em relação a Deus. O que percebemos, não só no primeiro capítulo, é que Dominic é impulsionado por uma espécie de revolta, embora acredite em Deus, salienta que as orações que sua mãe faz de nada adiantam, pois a miséria não abandona a família, o pai continua sendo um pedreiro desempregado, as dívidas permanecem e, além disso, as orações não fazem com o que os adultérios de seu pai cessem.

John.Fante2É no Braço que Dominic se concentra para esquecer as mazelas de sua vida. No Braço e no sonho. Aposta todas as suas fichas neles. O Braço, a dádiva que Deus lhe deu, jamais permitirá que seu pai ou qualquer coisa possa impedi-lo de alcançar o sonho, seu grande sonho: ser um grande arremessador de basebol.

Por que 1933 foi um ano ruim? Neste ano, o jovem Dominic Molise é obrigado a escolher entre duas opções: arriscar e tentar seu grande sonho ou permanecer na miséria, em sua pequena existência, o que lhe é insuportável. O fim da obra é uma das mais densas e belas da literatura de John Fante, esse escritor que, como disse Bukowski, é um homem que não tem medo da emoção.

E as perguntas que ficam aos leitores são: quantas vezes não nos deparamos com as disparidades da vida humana?  Quantas vezes temos de optar entre os nossos sonhos e a permanência na vida que nos é, existencialmente,  difícil?

 

 

¹ John Fante, em decorrência da diabetes, ficou cego em 1978, mas mesmo assim ainda deu vida a mais um trabalho, ditou seu último livro, Sonhos de Bunker Hill para Joyce, sua esposa.

 

Referência:

FANTE, John. 1933 Foi um ano ruim. Tradução de Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM, 2008.

 

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