200 anos de Baudelaire: Spleen de Paris como porta de entrada

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200 anos de Baudelaire: Spleen de Paris como porta de entrada

Spleen de Paris como porta de entrada para a poética antilírica de Charles Baudelaire, um dos maiores poetas de todos os tempos.

O autor de As flores do Mal procurava uma prosa poética, musical, sem ritmos e sem rimas. Spleen de Paris é uma ótima porta de entrada para ler Baudelaire no seu aniversário de 200 anos.

“Caro amigo, o pequeno trabalho que lhe envio nesta carta parece não ter pé nem cabeça, mas acredite: há tudo isso”. É mais ou menos dessa maneira que Charles Baudelaire (1821-1867) inicia a carta enviada para o editor Arsène Houssaye, quem primeiro leu os poemas que estão reunidos no livro.

O poeta de As flores do Mal sabia que o seu novo conjunto de poemas poderia ser facilmente mal compreendido pelos leitores da época, por isso a mensagem receosa para o editor. Baudelaire procurava uma “prosa poética, musical, sem ritmo e sem rimas, tão macia e maleável para se adaptar aos movimentos líricos da alma”.

A coletânea publicada em 1862, no Jornal La Presse, colocava em xeque o caráter lírico da poesia: iniciava-se ali uma tradição antilírica, ou até antipoética, que se consolidou apenas anos mais tarde. Baudelaire, como um verdadeiro “pintor da modernidade”, traz em Spleen de Paris o lado banal, bizarro e engraçado da vida comum.

200 anos após o seu nascimento, Baudelaire ainda é capaz de gerar leitores apaixonados ou quem o ache tedioso demais: spleen significa o estado de tédio melancólico. Veja você mesmo, na íntegra, o poema em prosa O estrangeiro:

“— A quem mais amas tu, homem enigmático, dizei: teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?
— Eu não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
— Teus amigos?
— Você se serve de uma palavra cujo sentido me é, até hoje, desconhecido.
— Tua pátria?
— Ignoro em qual latitude ela esteja situada.
— A beleza?
— Eu a amaria de bom grado, deusa e imortal.
— O ouro?
— Eu o detesto como vocês detestam Deus.
— Quem é então que tu amas, extraordinário estrangeiro?
— Eu amo as nuvens.., as nuvens que passam lá longe… as maravilhosas nuvens!”

Spleen de Paris também mantém uma forte característica da tradição romântica: a voz do autor numa forte tensão com a ficção da poesia.

No poema em prosa O mau vidraceiro, a voz em primeira pessoa tece, numa livre digressão, algumas considerações sobre os surtos que “nos autorizam a crer que demônios maliciosos deslizam em nós”:

“Há certas naturezas puramente contemplativas e de todo impróprias à ação, que, entretanto, sob um impulso misterioso e desconhecido, agem às vezes com uma rapidez da qual não acreditavam que fossem capazes.”

Os poemas de Spleen de Paris são fragmentos que, em matéria romanesca, manifestam uma simplicidade transgressora. A coletânea, além de figurar Baudelaire como o poeta moderno por excelência, é uma porta de entrada para quem ainda não leu o autor no ano que se completam 200 anos do seu nascimento.

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