2º dia de Tarrafa Literária: biografias, Tom Perrotta e romances policiais

0

Mesa 5 – Raphael Montes e Marçal Aquino: “Quando o Crime Compensa?”

A mesa “Quando o crime compensa?” teve início às 14h, do dia 27/09, e contou com a presença de Raphael Montes, autor dos livros Suicidas Dias Perfeitos; Marçal Aquino, autor de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios e O amor e outros objetos pontiagudos; e Vitor Knijnik, colunista da Carta Capital e mediador do papo.

100_5792
Raphael Montes, Vitor Knijnik e Marçal Aquino (da esq. para dir.)

O tema da mesa girou em torno dos romances policias, e logo de início Raphael Montes foi questionado: “É verdade que o Brasil não tem uma forte literatura policial?” “Nós não temos uma tradição no gênero”, disse ele, apontando para como a literatura policial é tratada como um subgênero no país. Contou ainda um pouco sobre seu primeiro contato com a literatura policial, lendo autores como Arthur Conan Doyle e que sua iniciação na escrita começou assim que se interessou por literatura, aos 12 anos de idade.

100_5794
Raphael Montes – escritor revelação em romances policiais

Falou um pouco também sobre o desafio de escrever romances policiais ambientados em solo brasileiro. “Os romances policiais têm três elementos: crime, criminoso, investigação”, revelou ele. “No Brasil nós temos crimes e criminosos, mas a investigação que é complicada”, ele brincou. Disse ainda: “Eu sempre quis escrever com uma identidade brasileira e ao mesmo tempo universal.”

Ao assumir a palavra, Marçal revelou que não se vê como um escritor policial. “Eu entendo que o que eu escrevo são histórias criminais”, disse ele. “Histórias que envolvem crimes, mas que não são necessariamente histórias policiais”. Contou que os anos como jornalista, e o contato com o crime que este trabalho o propiciou, tiveram influência em sua literatura.  “Tento escrever histórias onde o crime é um dos componentes”, disse ele, e comentou sobre os crimes no Brasil, que de tão absurdos por vezes parecem inverossímeis. “A realidade aqui no Brasil sempre suplanta a ficção.”

Continuando a conversa, Raphael brincou sobre o desinteresse de seus pais pelos livros. “Lá em casa meus pais não gostam de ler. Meu pai coleciona cachaça, minha mãe — como toda boa mulher — coleciona sapatos, e eu coleciono livros”, disse a respeito da sua coleção de cinco mil livros. Contou que hoje em dia costuma ler bem mais outros tipos de literatura além da policial, mas que procura sempre ler romances policiais. A respeito de técnicas de escrita, Raphael comentou que aprende lendo: “O escritor não lê como leitor. Eu leio analisando, atento aos mecanismos.”

Sobre seu modo de escrever, Marçal contou que escreve sempre á mão, em cadernos. “Começou por necessidade, porque morei em uma república e eu não podia usar máquina de escrever no meio da noite”, disse.  Sobre como conduz um romance, Marçal mostrou ser um escritor intuitivo, que segue o desejo dos seus personagens e que perde a vontade de escrever quando já sabe tudo sobre a história. E salienta: “Quando eu termino um livro, eu sei mais do que sabia quando começava a escrever. E, para mim, isso é a coisa mais gratificante.”

Marçal ainda falou sobre o caráter visual de sua literatura, influência direta de sua paixão pelos quadrinhos.  “É daí que a minha literatura é muito visual. As pessoas acham que é por causa do cinema, mas não é”, revelou. A respeito da influência de outros escritores em sua obra, afirmou que é formado por todos os escritores que leu e gostou.

Os dois autores deram ênfase ao cotidiano como peça-chave para sua literatura, especialmente Marçal, fornecendo material para os diálogos e as histórias. “O cotidiano é a maior fonte de miséria e maravilha”, disse Marçal. Raphael salientou o processo de planejamento de um romance como a parte mais prazerosa em escrever um livro, e que o ponto de vista é o mais importante.

 

Mesa 6 – Mário Magalhães e Lira Neto: “A Vida dos Outros”

Iniciando a tradicional mesa sobre biografias, “A vida dos outros” teve como convidados os biógrafos Lira Neto, autor de Getúlio, e Mário Magalhães, autor de Marighella.

100_5804
Lira Neto, Marcus Vinicius Batista e Mário Magalhães (da esq. para dir.)

Respondendo o porquê de ter escolhido Carlos Marighella para biografar, Mário Magalhães explicou que foi por uma questão muito subjetiva, pois Marighella é uma figura com uma história trepidante e ainda assim ignorada no Brasil. Lira Neto, seguindo o mesmo caminho, contou que foi pelo fascínio que a figura de Getúlio provocava e pela sua relevância na história do país. “Nenhum outro homem deixou marcas e legados tão fortes para o Brasil quanto Getúlio”, disse ele.

Lira Neto explicou que as biografias sobre Getúlio Vargas, em geral, dividem-se entre louvações e desconstruções da figura do ex-presidente, e que por isso procurou estabelecer uma biografia equilibrada. “Eu não gosto de biografar personagens que viveram em linha reta”, Lira revela, ainda a respeito da escolha de biografar uma figura tão controversa quanto Getúlio.

Questionado sobre a reação da direita com sua biografia, Mário Magalhães comentou a ausência da figura de Marighella nas escolas do país, e que isso faz parte da desonestidade intelectual com a qual Marighella é tratado nos dias de hoje. “Marighella permaneceu como um maldito e isso é refletido no modo com a biografia é recebida”.  “Mais importante que isso”, disse ele, “é a discussão democrática”.

Durante a conversa, os autores também falaram sobre o importante papel da História no trabalho de um biógrafo, e sobre a tradicional rivalidade entre biografias jornalísticas e biografias históricas. Lira Neto afirmou que cada vez mais compreende que o trabalho do jornalista e do historiador tem papel semelhante, não antagônico. “A ciência histórica é indispensável ao meu trabalho”, afirmou ele. Já Mário disse que existe um desafio: assegurar ás figuras e fatos a densidade de um biógrafo historiador, e assegurar ao leitor a fluidez e o ritmo de um jornalista.

Sobre a polêmica com biografias não-autorizadas, Magalhães disse que “é algo inconcebível em um país democrático alguém cogitar a proibição de narrativas biográficas não-autorizadas”. Segundo ele, não é só a biografia a prejudicada, mas a memória nacional, no que diz respeito que até mesmo estudos acadêmicos ou históricos publicados em forma de livro podem ser proibidos de ir a público.

A esse respeito, Lira Neto contou o episódio em que recebeu uma ligação de Celina Vargas, neta de Getúlio, a respeito do primeiro volume de Getúlio. Revelou que na ligação, Celina lhe disse ter adorado o primeiro livro; que não leria o segundo, pois trataria sobre o período ditatorial, mas que, ainda assim, ele deveria ser publicado. Lira disse ter ficado muito surpreso com a “consciência histórica” de Celina, ao passo que Magalhães afirmou que “livros como Marighella e Getúlio circulam graças ao espírito público das famílias dos biografados”.

 

Mesa 8 – Tom Perrotta: “Livros em Cartaz”

Com caráter de entrevista, a mesa contou com a presença de Matthew Shirts, o mediador, e Tom Perrotta, escritor de Pecados Íntimos, The Leftovers, roteirista renomado e uma das principais atrações internacionais do festival.

100_6000
Tom Perrotta, autor de “The Leftovers”, na mesa da autógrafos

Perrotta contou que cresceu em Nova Jersey e que começou a escrever na revista literária da escola, onde publicava histórias inspiradas na série de TV dos anos 60 The Twilight Zone.  Falou sobre seu primeiro livro, intitulado Bad Haircut: The Stories of the Seveties, uma coletânea de contos marcada pelo dirty realism, uma espécie de subgênero que define a escrita que retrata a realidade de pessoas ordinárias, vivendo vidas comuns.

Sobre seu mais recente livro, The Leftovers, Perrotta disse ser uma obra sobre a cultura americana, especificamente sobre um sentimento de tristeza em relação a ela. Comentou sobre seus trabalhos iniciais serem mais engraçados, mas que com o tempo ele tem se voltado mais para outros tipos de emoções mais profundas. “Meu trabalho tem se tornado mais sombrio”, disse ele.

Questionado sobre a passagem dos romances para os roteiros, Perrotta revelou: “Eu sempre gostei de cinema, e cheguei a estudar o cinema francês e o alemão, por exemplo”, mas que sua primeira experiência com roteiros se deu por intermédio de um de seus livros, The Wishbones. A partir de então, Perrotta disse ter começado a escrever para a TV, em geral episódios piloto para séries, aprendendo então a escrever roteiros. “Com isso pude me tornar o roteirista das adaptações dos meus livros”, disse.

Sobre a diferença entre a escrita de romances e roteiros, Perrotta citou o processo de cortar trechos dos livros, para adaptá-los, como o mais desafiador. Outro ponto salientado por ele foi a intervenção dos executivos quando se tratada de roteiros para filmes, com palpites e mudanças em sua história, enquanto que a escrita de um romance é algo mais pessoal.

“Se eu quero que o meu trabalho faça parte de um diálogo cultural, os filmes e séries são melhores”, disse ele, a respeito do maior alcance que o cinema e a TV têm em relação ao público. Perrotta apontou como um dos benefícios do trabalho com filmes o trabalho em equipe, que o mantém em contato com pessoas talentosas, como atores e diretores.

Sobre a adaptação para série de seu livro The Leftovers, pela HBO, Perrotta disse: “A série é mais violenta e intensa que o livro, e o Damon Lindelof (conhecido pelo trabalho como roteirista na série Lost) trouxe muito disso.” Comentou ainda que nas fases inicias do roteiro do episódio piloto, o personagem principal, Kevin Garvey, parecia “legal demais”, enquanto que os executivos da HBO estavam mais interessados em personagens como Donald Draper, de Mad Men e Walter White, de Breaking Bad.

“Eu poderia ter recusado as mudanças”, disse Perrotta. “Mas como executivo da série, eu entendia que elas eram necessárias e tentei lidar com elas.”

Questionado a respeito do porque a TV tem se tornado tão poderosa, Perrotta apontou como um dos motivos o fato de que, nas séries, são os roteiristas e os escritores que permanecem, enquanto diretores vêm e vão. Falou também sobre o poder das séries de criar vínculos fortes e até mesmo familiares entre o público e seus personagens, e citou Mad Men como sua série favorita e algo que ele, como escritor, gostaria de ter escrito. “Você conhece esses personagens como conhece seus próprios amigos”, brincou.

Perrotta ainda falou sobre a “bolha cultural” na qual os americanos vivem, respondendo a um questionamento da platéia. “A cultura americana escolhe a que dar atenção. ‘Ok, agora vamos com literatura latina, agora com literatura espanhola’. Como um americano, você tem que fazer um esforço.”

 

O segundo dia do festival ainda contou com a presença de Rui Zink, Marcelo Backes e Vladir Lemos para a mesa “Bola de Papel”, onde foi discutido a relação entre o futebol e a literatura brasileira.

 

Não há posts para exibir