3º e último dia de Tarrafa Literária

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Última mesa – Amyr Klink e Alan Pauls: “Vista pro Mar”

Alan Pauls, escritor argentino, para a mesa “Vista pro mar”

A última mesa do festival literário, intitulada “Vista pro mar”,  aconteceu dia 28/09 e contou com a presença de Amyr Klink e Alan Pauls, dois autores cujo trabalho tem profundas relações com viagens pelo mundo e a natureza.

Ao responder qual a influência da literatura no seu encanto pelo mar, Amyr Klink respondeu que sempre adorou livros, desde criança, mas que a influência aconteceu de fato quando se mudou para Paraty. Lá estudou literatura francesa, ao que afirma: “Minha vista pro mar aconteceu por intermédio dos livros.”

Já Alan Pauls foi pelo caminho inverso. Citou a natureza, o mar e a praia como os culpados pela sua aproximação com a literatura, quando ainda criança. “Para mim a praia sempre foi um espaço de muito prazer, de muita aventura”, afirmou ele, sobre fato de ter sido uma criança doente e de não ter podido ter um contato maior com a natureza, o que o levou aos livros.

Klink, navegador e autor de “Cem dias entre céu e mar”, falou também sobre a tradição árabe pela escrita e pela arte de contar histórias, presente em sua família pela figura rígida e patriarcal de seu pai. Exímio viajante, com trinta anos de experiências com viagens á Antártica e grandes períodos de solidão, Amyr Klink comentou sobre o “crime” que existe no ato de escrever livros sobre viagens. “Há viagens incríveis que rederam livros ruins, e viagens não tão boas que deram livros incríveis”, disse ele. Revelou que a ideia de escrever um livro sobre viagens saiu, na verdade, de um desafio imposto por um amigo. “A experiência de escrever foi uma outra viagem, muito mais intensa”, revelou ele, afirmando que gosta do processo da escrita e todas as dificuldades que vêm com ela.

Sobre o processo de escrever livros inspirados nas memórias, Alan Pauls brincou: “Eu sempre fui uma pessoa de muita má memória”, e que o exercício de escrevê-las se tornou uma espécie de método para manter a memória viva. “Só me recordo quando escrevo”, disse ele, que ainda citou Platão e sua desconfiança no registro das memórias, partindo do pressuposto de que, ao se tomar nota de uma lembrança, eliminamos com ela a necessidade de recordar.

Falando mais sobre suas viagens, Amyr é questionado a respeito das mudanças climáticas e se, com trinta anos de experiências em barcos à Antártica, vivenciou algum evento que as ilustrasse. Á esse respeito, Amyr afirma não ter perspectivas sobre o assunto. “Não sou cientista, não quero ser cientista”, afirmou, dizendo que há várias transformações climáticas no mundo, influenciadas ou não por nós, e que nossas observações a respeito são irrelevantes.   Sobre as viagens, disse que, apesar de não dar muita importância a socialização, viaja pela convivência com as pessoas que existem na Antártica, lugar onde, segundo ele, encontra-se toda espécie de gente. “A convivência com as pessoas de lá é uma espécie de laboratório.”

Teatro Guarany, em Santos, SP.

Em relação aos anos ditatoriais na Argentina,  Alan Pauls é questionado sobre quais seriam os efeitos colaterais da memória ditatorial no país. “Seria interessante a Argentina emprestar um pouco de sua preocupação com a memória para o Brasil”, brincou ele, afirmando que a Argentina é um país muito apegado pelos seus mortos e que isso nem sempre trás bons frutos. “A Argentina é um país escravizado por sua memória.”

Sobre sua trilogia “pranto, cabelo e dinheiro” (“História do Pranto”, “História do Cabelo” e “História do Dinheiro”, respectivamente), Alan Pauls é questionado a respeito de quais seriam os elos entre esses três elementos e porque escolher questões tão particulares para falar dos anos setenta na Argentina. “Para entrar em uma época tão intimidatória, o melhor é entrar por uma porta de serviço”, Pauls respondeu. Falou que somente abordando questões menores ele poderia adentrar no universo de questões tão densas e morais quanto as vividas durante os anos de ditadura em seu país.

A conversa ainda caminhou para as irresponsabilidades urbanísticas de muitos engenheiros brasileiros, fortemente criticados por Amyr, a respeito dos canais fluviais e hidroviários do Brasil, o futuro da humanidade em relação á natureza, as mídias sociais e seu impacto.

 

O último dia do festival literária contou ainda com as mesas “A vida não basta”, “Crimes e Castigos”, e “Morte nos Búzios”.

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