20 anos depois de seu lançamento, Graça Infinita mostra que, além de ser um grande romance, foi capaz de profetizar a tecnologia do futuro
A publicação de Graça Infinita, em 1 de fevereiro de 1996, transformou David Foster Wallace, então com 34 anos, em um rock star literário. As resenhas eram adulações e as ressalvas (muito longo, muito brincalhão, muito inteligente) eram recheadas de elogios. Uma delas chamou a obra de o grande romance grunge americano e fãs se amontoaram para ouvir o autor ler em Manhattan.
Houve uma festa de lançamento gigantesca seguida de uma tour de lançamento pelos Estados Unidos. Ao término daqueles meses, Graça Infinita tinha chegado à sua sexta reimpressão. As reivindicações malucas enviadas pelos editores antes do lançamento do romance não pareceram tão absurdas: David Foster Wallace realmente tinha escrito um livro que mudou o panorama da literatura americana.
Então, vinte anos depois, como Graça Infinita ainda se mantém como uma obra importante? Ela ainda é importante para uma geração à qual o início dos anos de 1990 parecem um passado remoto?
David Foster Wallace escreveu seu grande romance numa época em que telefones celulares eram raridade e internet – como nós a conhecemos hoje – estava ainda engatinhando. Graça Infinita foi escrita entre os anos de abundância econômica da era Clinton, os anos seguintes à vitória americana da Guerra Fria – e a sensação de que não havia nada melhor a se fazer além de assistir MTV.
Mas Graça Infinita é mais do que um romance do seu tempo. Wallace localizou o romance em um futuro próximo, transformado a obra numa sátira do caminho que os Estados Unidos estavam prestes a trilhar.
Com uma trama picaresca e um futuro incerto (o romance tem vez provavelmente em 2009, o que não é claro devido a questões de venda de calendários) e com uma grande nação formada por México, Canadá e Estados Unidos, Graça Infinita tem como cenário principal uma academia de tênis.
2009, o futuro próximo de Wallace, é para nós um passado recente no qual muitas das coisas por ele descritas vinte anos atrás se concretizaram. Vejamos quais foram.
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Ascensão de Donald Trump
No mundo de Graça Infinita, Rush Limbaugh, um radialista absurdo, se torna presidente dos Estados Unidos (mesmo que seja convenientemente assassinado). Não é possível que um homem agressivo, narcisista, populista, bêbado, com discursos bombásticos, possa se tornar presidente num futuro breve, certo?
Smartphones
David Foster Wallace antecipou de forma aguda que a tecnologia mudaria drasticamente a maneira de lidar com o entretenimento. Com o teleputer, Wallace previu que os computadores, televisões e telefones iriam se fundir. O que ele talvez não tivesse antevisto é o fato que o dispositivo caberia na palma da mão como um smartphone.
Netflix
Ele também previu que a forma como a tecnologia permitiria aos consumidores ter maior controle do que eles assistem com o Sistema InterLace, que permite ao espectador baixar os programas de TV e filmes – um precursor do sistema streaming utilizado pelo Netflix. Em Graça Infinita, tal fato precipita o fim da televisão – a realidade, porém, não teve tanta sorte.
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Skype
Outro grande avanço tecnológico previsto foram as chamadas em vídeo através de um dispositivo semelhante ao Skype. No romance, porém, Videofonia acaba por ser uma moda passageira, pois se torna muito estressante.
Selfies
Além disso, nesse futuro imaginado Wallace, as pessoas são muito vaidosas. As chamadas em vídeo as tornam auto-conscientes e começam a conversar usando uma imagem digital aprimorada de si, avatares de si mesmos ou ainda máscaras. Não estamos muito distantes dos filtros do Instagram e os aplicativos assustadores para embelezar as selfies.
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Traduzido e adaptado de Telegraph.