Romances que falam sobre a politica e a realidade social de seus autores
Os romances políticos, às vezes apontados como tendenciosos, têm em comum expor a realidade com um certo sarcasmo melancólico, um humor às vezes ácido e narrativas inquietantes. Nada mais absurdo e tragicômico que o cenário político e seus personagens. Nos sentimos impotentes diante de manobras de bastidores onde não raro definem-se o destino de povos e pessoas.
Se considerarmos o pensamento de Maquiavel, podemos conceber a política, não como a arte de fazer o bem, mas como a arte de usar o mal para fazer o bem aos demais, mas a realidade do exercício da política se difere e distancia de possíveis ideais. O que seria afinal o exercício da política? Em uma perspectiva um tanto perversa, um político é aquele que sabe como usar seu carisma pessoal e sua retórica para influenciar pessoas, e essa característica já lhe atribui um poder nato, o que facilita muito as coisas. Claro que nem todos nascem com esse magnetismo pessoal e são muitas vezes alçados ao poder ou pela força, ou no caso das monarquias, por herança.
No mundo contemporâneo, pelas mãos de bons marqueteiros. Estes conselheiros modernos e suas ferramentas tecnológicas substituíram muito melhor os antigos conselheiros da corte. E quem não precisa de um bom conselheiro político? Até mesmo os bem providos de magnetismo pessoal.
Mas voltando àquele ideal político de usar o mal para fazer o bem aos demais, quando temos o poder político nas mãos, embora o método continue o mesmo, a intenção costuma mudar, ou em outras palavras, já não pretendemos mais fazer o bem aos demais, mas a nós mesmos. A famosa máxima atribuída à Maquiavel (“Os fins justificam os meios”) faz todo o sentido, mas se os meios podem ser perversos, também os fins em geral são pouco ou nada nobres. Já nós, os outros, os da sociedade como um todo ou de classes sociais distintas, o que nos diferencia daqueles pode ser apenas o lado onde nos encontramos.
Embora as narrativas girem em torno do momento e do local em que viviam os autores, os problemas enfocados não mudam muito ao longo do tempo e guardam semelhanças na história política de qualquer região do planeta. Os autores talvez pretendam com seus romances, buscar uma resposta através da literatura, ou pelo menos despertar uma reflexão por parte do leitor. Mas seja como for, parece certo que um bom romance político vai além da posição ideológica do autor, cavando, esmiuçando, dissecando nossa natureza como indivíduos, do lado de dentro e de fora do poder.
1. Júlio Cortázar
Cortázar, considerado um dos melhores autores, original e inovador em seu tempo, nasceu na embaixada da Argentina em um distrito de Bruxelas na Bélgica e depois retornou a sua terra natal aos quatro anos de idade. Em 1951 aos 37 anos, por não concordar com a ditadura na Argentina, mudou-se para Paris. Sempre preocupado com a situação política na América Latina, no início dos anos 1960 viajou para Cuba, período em que intensificou seu interesse por política, mas sua simpatia pela esquerda não o impedia de criticá-la. Chegou a ser excomungado por Fidel Castro por cobrar o paradeiro do poeta cubano Heberto Padilla. Mas naquela época em que o mundo era rigorosamente dividido entre direita e esquerda, Júlio Cortázar era rotulado por ambos os lados.
2. Gabriel Garcia Márquez
Garcia Márquez foi um escritor colombiano nascido em 1927 e falecido em 2014, deixando vasta obra literária, sendo Cem Anos de Solidão publicada em 1967, respeitada pela crítica como um marco na literatura da América Latina. Márquez foi pioneiro em um estilo conhecido como Realismo Fantástico. Por causa de sua amizade com Fidel Castro e suas críticas aos exilados cubanos, foi perseguido pela CIA. Garcia Márquez viveu na Espanha até 1975 e voltou para a Colômbia em 1981, mas foi acusado em sua terra natal de colaborar com a guerrilha, quando então se mudou para o México. Em 2002, descobre que está com um câncer linfático e lança sua autobiografia Viver para Contar. Em 1982 ganhou o Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.
3. Mário Vargas Llosa
Vargas Llosa nasceu em 1936 em Arequipa no Peru e escreveu diversos ensaios, a maioria de cunho político sendo “Sabres e Utopias” o mais comentado, onde expõe seu pensamento em favor das liberdades e contra a tirania de governos totalitários. Em 1990 se candidatou à presidência por uma coligação de centro direita, mas perdeu no segundo turno para Alberto Fugimori. Vargas Llosa foi simpatizante do socialismo e admirador da Revolução Cubana, mas sua postura mudou depois de visitar a União Soviética em 1966. Em 1981, publica A Guerra do Fim do Mundo, que narra uma história da guerra de Canudos misturando personagens fictícios e reais. Suas experiências como escritor e candidato à presidência foram relatados em sua autobiografia Peixe na Água em 1991, e seu livro mais importante foi Conversa na Catedral em 1969, narrando uma época da ditadura em seu país. Em 2010, recebeu o Nobel de Literatura.
4. Jorge Amado
Jorge Amado foi o escritor brasileiro mais lido e mais traduzido para outros idiomas. Todos os seus romances se ambientam na Bahia, em especial na cidade de Ilhéus e Salvador. Viveu no exílio durante o regime getulista, voltando para o Brasil durante a Segunda Guerra. Morou em São Paulo e no Rio. Em 1945, foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro em São Paulo. Várias de suas obras foram adaptadas para o cinema e televisão, seus personagens eram pessoas comuns do povo e aqueles que estavam à margem como meninos de rua e prostitutas. Quem ditava as regras naqueles tempos eram os coronéis com muita influência na vida política local, em geral tiranos declarados e por isso mesmo temidos, mas senhores distintos em sociedade. Nos romances de Jorge Amado, a hipocrisia, como não podia deixar de ser, tem forte presença na vida social da cidade.
5. Raquel de Queiroz
Raquel de Queiroz nasceu em 1910 em Fortaleza, no Ceará, descendendo pelo lado materno de José de Alencar. Fugindo da seca em 1915, vai para o Rio de Janeiro em 1917, fato que mais tarde a inspirou a escrever seu livro de estreia O Quinze. Em 1927, torna-se colaboradora do jornal O Ceará. Um episódio curioso sobre ela conta que ao trabalhar como professora substituta de História no colégio onde havia se formado, acabou ganhando o concurso de “Rainha dos Estudantes”. Durante a festa de coroação com a presença do governador do Estado, chega a notícia do assassinato de João Pessoa. Raquel então joga a coroa ao chão e sai às pressas do local com uma única explicação: “sou repórter”. Quando retorna à Fortaleza, por volta de 1931, ajuda a fundar o PC cearense, mas quando é obrigada a submeter um livro seu a um comitê do partido antes de publicá-lo e este não o aprova porque na estória um operário matava o outro, rompe com o partido. Publica o livro pela editora Schmidt, do Rio, e muda-se para São Paulo, onde se aproxima do grupo trotskista, mas acaba rompendo de vez com a esquerda quando chega a notícia de que uma picareta de quebrar gelo, por ordem de Stálin, havia esmigalhado o crânio de Trótski.
6. Máximo Gorki
Seu nome verdadeiro era Alexei Peshkov, nasceu em 1868 em uma família pobre numa pequena vila da Rússia. Ficou órfão aos cinco anos e desde cedo trabalhou em pequenos ofícios para sobreviver, tendo frequentado apenas alguns anos da escola primária. Gorki foi um exemplo de escritor autodidata e mesmo assim tornou-se um dos maiores escritores do regime soviético e um dos grandes nomes da literatura do século 20. Foi também autor de muitas peças teatrais e é um dos autores mais encenados no mundo até hoje. Suas primeiras obras foram os Pequenos Burgueses e Albergue Noturno encenadas no Teatro de Moscou em 1902. Foi perseguido pelo regime czarista e teve que exilar-se na Europa e Estados Unidos. Retornou à Rússia depois da revolução de 1917 mas desentendeu-se com líderes bolchevistas e teve que se exilar novamente. Mas, ao voltar para seu país natal em 1928, foi festejado como maior escritor do regime comunista. Segundo críticos, a obra de Gorki é centrada no submundo russo que ele bem conhecia por nele ter vivido, o que confere autenticidade, vigor e emoção aos seus escritos.
7. Graciliano Ramos
Graciliano Ramos nasceu em 1892 na cidade de Quebrângulo no sertão nordestino em Alagoas e é considerado o melhor ficcionista do modernismo, e sua obra foi traduzida para vários países. Seu romance mais importante, escrito em 1938, Vidas Secas, ganhou o Prêmio da Fundação William Faulkner dos Estados Unidos. Esteve preso de 1936 a 1937 acusado de participar do movimento de esquerda, e essa experiência pessoal e triste de sua vida foi narrada em seu livro Memórias do Cárcere. Embora suas obras tratem de problemas do Nordeste brasileiro, apresentam também uma visão crítica das relações humanas.
8. Carlos Fuentes
Carlos Fuentes nasceu no Panamá em 1928, mas naturalizou-se mexicano em 1944. É considerado um dos maiores romancistas de língua espanhola na América Latina ao lado de outros grandes nomes. Estreou como romancista em 1958 com a novela A Região Mais Transparente e foi outro autor que se destacou com o estilo do “realismo fantástico”. A obra Gringo Velho, de 1985, foi adaptada para o cinema e O Espelho Enterrado, de 1992, é um ensaio onde Fuentes compara a arte anglo-saxônica e a hispânica. Sua extensa obra ficcional, composta de 22 romances e nove coletâneas de contos, constitui um amplo panorama da história mexicana. Diplomata e intelectual atuante, ele se orientava por uma concepção de esquerda democrática. Foi por muito tempo um crítico dos desmandos do Partido Revolucionário Institucional no México (PRI), que teve predominância no poder desde 1929 até 2000.