Nove autores autores que fazem os ingleses se orgulharem de seu passado literário
Enquanto o continente europeu passava pelo seu processo de expansão marítima, o mundo viu a Inglaterra construir o maior império que já existiu. O país colonizou mais de 20% da superfície terrestre e dizia-se até que o Sol jamais se punha no Império Britânico. Dessa forma, classificar determinados autores como ingleses ou não acaba se tornando uma tarefa pra lá de desafiadora. Não à toa, que nossa lista conta com gente da Índia, da Irlanda e até da Polônia.
No entanto, se hoje os ingleses não se orgulham do seu passado imperialista (ou deveriam não se orgulhar), podem pelo menos se gabar do seu passado literário, tão extenso e rico quanto o Império um dia foi. É de lá que vêm alguns dos mais célebres nomes da literatura mundial, escritores prolíficos que produziram, em ritmo industrial, um acervo quase infinito em prosa, poesia e teatro.
Para manter a coerência e já justificar algumas ausências da lista, o foco foi dirigido a autores que obtiveram maior destaque em prosa, ou que foram determinantes para o modo como se contavam histórias em seu tempo. Lá vai.
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1. Geoffrey Chaucer (1343-1400)
Este foi, provavelmente, o maior e talvez o único grande autor vivo na Londres do século XIV. Chaucer nasceu na capital inglesa, no ano de 1340 e sua obra mais famosa é um escrito inacabado, chamado Os Contos de Canterbury, que foi adaptado para o cinema pelo diretor italiano Pier Paolo Pasolini, em 1972, sendo premiado com o Urso de Ouro, em Berlim.
Na história, quatro peregrinos caminham rumo à Catedral de Canterbury, partindo de Londres. Segundo o Google Maps, o trajeto a pé dura aproximadamente 19 horas. Foi combinado que cada peregrino contaria uma história para que o tempo passasse durante a caminhada. Na volta a Londres, quem contasse a melhor história seria presenteado com uma ceia em uma estalagem ao sul da cidade.
Na narrativa, interrompida pela morte de Chaucer, o autor apresenta um resumo da sociedade inglesa na época, com personagens que vão desde o camponeses a nobres. Nela, Chaucer tece críticas à vários aspectos da sociedade inglesa naquele século, entre elas a exploração das classes mais altas pelas mais baixas e também a libertinagem do clero.
2. Thomas Malory (1405-1471)
Entre 1440 e 1460, Thomas Malory foi preso um punhado de vezes, por diversos motivos, que iam desde adultério e pequenos furtos, até divergências políticas com a Dinastia de Lencastre, que então governava o país. Em uma de suas passagens pelo cárcere, o autor escreveu a mais importante obra de literatura inglesa antes de Shakespeare: A Morte de Arthur, que conta as histórias do Rei Arthur e Os Cavaleiros da Távola Redonda.
Este foi um dos primeiros escritos a serem impressos em território inglês, 15 anos após a morte do autor. William Caxton, responsável pela publicação, dividiu o texto em 21 livros, estes divididos por capítulos, embora edições posteriores divirjam da subdivisão, gerando, até os dias atuais, o debate se a obra de Thomas Malory é unitária ou não.
3. Thomas More (1478-1532)
Ao estudar a história da literatura inglesa, encontra-se autores que foram desde líderes mundiais como Winston Churchill, até santos da Igreja Católica, como Thomas More, canonizado no século passado.
O autor é tido como um dos principais nomes do renascimento na Inglaterra, quando as narrativas perdiam seu teor teocentrista e a produção literária fugia dos monastérios, ganhando um viés mais humanista. More publicou Utopia, sua obra mais prestigiada, em 1516.
Dividida em duas partes, Utopia critica a sociedade inglesa, uma civilização que sofre da desigualdade social, criminalidade, guerras recorrentes e uma justiça implacável e brutal. More cria então uma ilha imaginária, de valores invertidos, onde tudo é perfeito. Nela, o Parlamento zela pelo bem estar geral e tanto a propriedade privada quanto o dinheiro não estão relacionados à felicidade.
4. William Shakespeare (1564-1616)
“Há algo de podre no Estado da Dinamarca”, diz Marcelo a Horácio, em Hamlet. Houvesse algo de podre no reino da Inglaterra absolutista, de dura censura política, a peça de Shakespeare dificilmente teria saído do papel.
O teatro, até então, era o gênero de maior destaque na Inglaterra do século XVI, e foi a ele que Shakespeare dedicou maior parte de seu esforço literário. Suas peças eram encenadas no The Globe, casa teatral onde o dramaturgo já foi ator, autor e sócio, e que foi consumida por um incêndio em 1613, três anos antes de sua morte. Lá, sua obra era apresentada para uma plateia diversificada, que ia desde as classes mais baixas, até a elite intelectual londrina.
O dramaturgo talvez nunca tenha imaginado sua obra como a grandiosidade literária que representa hoje e, por isso, não se preocupava muito com suas publicações. Shakespeare construiu suas tramas para serem encenadas. Graças a dois amigos, Heming e Condell, que se responsabilizaram pela publicação da primeira coletânea de suas peças, logo após sua morte, hoje temos acesso a boa parte de sua obra.
A obra de Shakespeare é bastante vasta, são mais de 150 sonetos escritos, além das peças que vão desde encenações histórias, como Henry VI e King John, a tragédias cheias de fôlego que exploram, em diversos aspectos, a condição humana, como Romeo e Julieta, Hamlet, Rei Lear e Otelo.
5. Daniel Defoe (1660-1731)
Assim como Thomas Malory, Daniel Defoe também teve seus dias atrás das grades. Sua prisão se deu pela publicação do panfleto “O caminho mais curto com os dissidentes”, que rendeu a ele também a condenação ao pelourinho. Jornalista e agitador político, nasceu em Londres, no ano de 1660, e é considerado por muitos estudiosos o primeiro romancista inglês.
Somente depois de 1700 passou a se dedicar inteiramente a ficção e publicou seu livro de maior destaque em 1719, Robinson Crusoé, quase um Na Natureza Selvagem, ou um Walden, de seu tempo.
Em sua primeira publicação, o nome de Defoe não aparece na capa, pois o autor desejava que o leitor tivesse a impressão de que a obra fosse um relato real do marinheiro Robinson Crusoé que, após naufragar, luta para sobreviver em uma ilha deserta. Restos do navio naufragado servem de abrigo ao protagonista, que aprende a fabricar instrumentos de caça e a plantar. Ou seja, quase um manual de sobrevivência na selva do século XVIII.
6. Jonathan Swift (1667-1745)
O mundo se expandia para o homem europeu desde o século XV, e as navegações em busca de novas terras a serem exploradas e colonizadas despertavam a curiosidade e a imaginação geral. Jonathan Swift, nascido na Irlanda e naturalizado inglês, publicou em 1726 o seu romance de maior sucesso: As Viagens de Gulliver.
Nele, o cirurgião Lemuel Gulliver, único sobrevivente de um naufrágio, consegue chegar a uma praia e, exausto, repousa. Quando acorda, está amarrado ao chão, cercado por homenzinhos minúsculos, de menos de 16 cm, armados de arcos e flechas, habitantes de Lilipute. Depois, o cirurgião passa por mais terras desconhecidas, habitadas por criaturas ainda mais extraordinárias, em uma sátira da Inglaterra e de toda Europa, do homem de suas instituições. Além disso, ao contrário de Daniel Defoe, que descreve os obstáculos do também náufrago Robinson Crusoé, Jonathan Swift é mais pessimista em relação às habilidade do homem para sobreviver na natureza.
Apesar de ter se tornado um clássico da literatura infanto-juvenil, é bem provável que o autor jamais tivesse escrito a obra pensando nas criancinhas. Em carta ao amigo Alexander Pope, Swift escreveu que pretendia agredir o mundo e não diverti-lo e, em Uma Modesta Proposta, publicado em 1729, o autor sugeriu que se matassem todas as crianças irlandesas para que não se tornassem ladrões.
7. Samuel Richardson (1689 – 1761)
Sua obra mais famosa, e também a primeira que escreveu, é Pamela. Publicado em 1740, o romance epistolar relata a história de Pamela Andrews, uma jovem criada, filha de camponeses, que cresce sob os cuidados de uma senhora da nobreza. Quando sua protetora morre, Pamela é destinada à tutela do Conde de Belfast. Sob seus cuidados, a jovem criada permanece virgem, apesar das contínuas investidas do nobre sobre ela, assediando-a e tentando a estuprar. Ou seja, uma história que se parece muito com o romance abolicionista brasileiro A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães.
O romance é de extrema importância se considerarmos que, possivelmente, pela primeira vez na literatura inglesa, o público feminino viu em uma obra a representação de sua própria condição. No entanto, também o fez a burguesia, que reconheceu todos seus ideais, como o moralismo, a virtude recompensada e a ascensão social por meio do casamento com um nobre.
8. Jane Austen (1775-1817)
“Detesto ouvir você falar como um cavalheiro tão educado, e como se as mulheres fossem todas senhoras elegantes e não criaturas racionais. Nenhuma de nós espera navegar em águas calmas todos os dias de nossas vidas.” – Anne Elliot, em Persuasão, 1817.
Hoje, estampando a cédula de 10 libras, a autora de Orgulho e Preconceito é a primeira mulher da nossa lista. Suas obras representam uma das primeiras contribuições literárias a um movimento feminista ainda tímido e sufocado. Se com Richardson tivemos uma criada como protagonista do romance Pamela, em Jane Austen encontramos protagonistas mulheres com uma autonomia maior que em outros títulos da época.
Em Persuasão, por exemplo, a protagonista, Anne Elliot, filha de nobres, apaixona-se por Frederick Wentworth, um oficial da marinha sem tradições familiares. Submetida à pressão familiar, Anne se vê obrigada a desistir do seu romance com Frederick. Anos mais tarde, Anne, pensando com maior autonomia, não aceita o destino infeliz que a família escolheu para sua vida.
Engana-se quem pensa que a obra da autora é menos ambiciosa que a de outros escritores da época. É verdade que o tema de suas histórias são triviais e os cenários domésticos, casas de nobres e burgueses, onde vive-se tranquilamente, em detrimento das agitações políticas e sociais que tomam conta de toda a Inglaterra industrial. Contudo, com diálogos fortes e transbordando ironia, os personagens de Jane Austen carregam com eles uma profundidade psicológica poucas vezes encontrada em outros autores românticos ingleses.
9. Charles Dickens (1812 – 1870)
Reza a lenda que, em 1841, uma multidão de nova-iorquinos aguardava a chegada do navio que trazia da Inglaterra o último capítulo do romance A Loja de Antiguidades, publicado em folhetins semanais. Depois de invadir o cais, os leitores perguntavam, ansiosos, ao capitão da embarcação se a protagonista, Nell, morreria ao final da história.
Verdade ou não, não se sabe. Mas é certo que Charles Dickens foi o mais popular escritor da era vitoriana. Inclusive, ao publicar boa parte de sua obra em folhetins, moldava os próximos capítulos de acordo com a opinião dos leitores, como acontece nas telenovelas brasileira hoje em dia. O efeito disso em seu trabalho é algum moralismo e inverosimilhanças, também resultados das limitações da época. Para motivar os leitores a comprar as próximas edições, seus capítulos sempre terminavam cheios de suspense.
Nascido na classe média baixa londrina, Dickens conheceu a parte mais obscura da era vitoriana e, em sua obra, a denúncia social se faz sempre presente. Ainda que parte da crítica alegue certa falta de profundidade em tais críticas, elas podem ser encontradas em romances como David Copperfield e Oliver Twist, dois clássicos da literatura inglesa.