A evolução a partir do sofrimento em “Pequena coreografia do Adeus”, de Aline Bei.

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A evolução a partir do sofrimento em “Pequena coreografia do Adeus”, de Aline Bei.

Em “Pequena coreografia do Adeus”, Aline Bei retrata em prosa poética a formação da personagem que deixa o sofrimento para encontrar o seu eu.

Aline Bei: O romance entre o teatro e a literatura | VidaEArte | OPOVO+
Aline Bei, Foto divulgação

Quanto sofrimento uma criança pode suportar?

Tal pergunta salta das primeiras páginas de “Pequena Coreografia do Adeus”, o segundo livro da escritora Aline Bei, e a dor que ela implica nos leva a querer acolher com os olhos, braços e coração sua protagonista Júlia Terra, uma menina filha de um lar destroçado.

Movimentando-se a passos pesados e temorosos pelo amor que já não existe entre seus pais, ela sente na pele os estilhaços da estrutura familiar a cada surra dada pela mãe Vera e na alma o abandono do pai, o pior de todos os tipos, aquele fantasiado de leveza que esconde a incapacidade de assumir qualquer compromisso com a própria filha depois do divórcio de sua ex-mulher.

“O que me deixa triste é que meu pai me abandona muito. A minha mãe ele abandonou de uma vez, mas comigo é pior, ele fica me abandonando devagar.”

“Eu me chamo Júlia Manjuba Terra e não acredito no amor”

A pequena Júlia coreografa seus dias como se pudesse desaparecer ao som da música, ainda que controlada pelas cordas movidas pelo ressentimento da mãe e a indiferença do pai e encontra na escrita um escape afetivo para a sua inadequação:

“Querido diário, Eu me chamo Júlia Manjuba Terra e não acredito no amor. Se eu pudesse escolher, gostaria de me transformar em uma música, porque além de bonita ela desaparece quando alguém desliga o rádio. Eu também poderia ser qualquer pessoa aqui da rua ou da minha escola. Mas acho que prefiro mesmo ser a música, esse negócio de sumir por um tempo deve ser o máximo. Aqui em casa a gente não se abraça, então quando a professora Cláudia me abraçou, porque eu ajudei a carregar os livros até a sala, eu senti um negócio no pescoço, uma vontade de dormir.”

Ela respira alto e nós também

Escrito na prosa poética que marcou a estreia de Aline em “O peso do pássaro morto”, (o Bruno escreveu sobre ele aqui, o link está no final do texto) Pequena coreografia tem a forma de uma peça teatral que se movimenta no ritmo das batidas do nosso coração.

Quando pensamos chegar ao clímax de toda a angústia, Júlia muda suas vestes de certa dependência da mãe e, aos poucos, é como se o palco da sua vida se iluminasse para o grande e esperado solo da redenção.

No seu processo de adultecer entende que os pais também foram elos de uma corrente de desamor e sem apelar para soluções irreais na última metade do livro Aline a leva pelo caminho da auto descoberta e da estranheza do luto.

Para cada adeus a possibilidade da esperança

Ao encontrar na palavra escrita a casa das suas virtudes e essências Júlia se enche de coragem, começa a trabalhar em um café e aluga um espaço para chamar de seu, fortalecida pelo desejo de ser escritora e o convívio com pessoas que formarão em suas inconstâncias a família que ela com todos os limites dos seus receios escolheu.

Aline estudou Artes Cênicas dos 14 aos 21 anos antes de entrar para a faculdade de Letras e mais uma vez funde com maestria as dores femininas e a potência da paixão pela arte, que também mora na vivência tão humana da sua protagonista.

Quando Julia se salva pela escrita, Aline faz o mesmo por nós.

Referência:

BEI, Aline, Pequena coreografia do adeus, 1a ed. São Paulo, Companhia das Letras, 2021

https://homoliteratus.com/peso-do-passaro-morto-aline-bei/ , para saber mais sobre a estreia da Aline.

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