A filha do senador 019 – Gisele Corrêa

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Minha mãe percebeu nossa felicidade assim que chegamos. Ela fazia algumas anotações em um formulário, e parou um pouco ao nos ver entrar na cozinha.

– Com fome? (perguntou).

– Um pouco… Ainda tem aquele bolo de laranja? (perguntei abrindo a geladeira).

O Gui sentou-se próximo a minha mãe e esperou enquanto eu procurava comida.

– Ficha de emprego? (perguntou a minha mãe).

Eu me virei para ver o que ela estava fazendo. Não me lembrava da minha mãe como uma trabalhadora, sabia que tinha trabalhado na tal loja, quando engravidou, mas ao que eu me lembrava esta era sua única experiência.

– É, não dá pra ficar aqui, olhando para as paredes o tempo todo… (ela brincou). Já não sou mais a mulher do senador e estou pensando em começar a trabalhar, acho que também vou pra faculdade no ano que vem… Estou tão arrependida de ter desistido quando era mais jovem… Se bem que eu seria uma péssima dentista, não suporto ver sangue…

– A senhora tinha começado odontologia? (perguntei, pra mim essa era nova).

– Estava terminando o primeiro ano quando eu e o seu pai resolvemos casar… E sem a ajuda do seu avô, era impossível continuar… Pensei no curso de designer, o que você acha?

– Legal… Meio inesperado, mas mesmo assim acho que vai lhe fazer bem…

– O Ricardo falou a mesma coisa…

Então ela já tinha falado com ele? As coisas entre eles estavam mesmo bem melhor do que eu pensava.

– Vocês conversaram sobre isso?

– Claro! Eu estava meio perdida, sem saber o que fazer com o meu tempo, então ele sugeriu começar uma faculdade, alguma coisa que eu gostasse mesmo de fazer. No começo achei uma ideia meio maluca, mas depois ela foi crescendo, e agora eu sinto que posso fazer.

– A senhora podia convidar a minha mãe, ela sempre quis continuar estudando, mas acho que falta um pouco de estímulo…

– Ótimo, quando formos lá amanhã, vou conversar com ela…

Ela recolheu suas coisas e saiu. Voltou pouco depois com o telefone sem fio em uma das mãos…

– Guilherme é pra você (entregou a ele).

Ele atendeu, conversou um pouco, e quando desligou falou desanimado.

– Hora de ir para casa…

– Já? (perguntei)

– É meu pai ligou, morreu um tio do Kiko, nosso auxiliar de cozinha, então terei que ir um pouco mais cedo.

Ele levantou, despediu-se da minha mãe e eu fui levá-lo até o carro.

– Nos vemos amanhã? (perguntei).

– Acho que sim… Você poderia almoçar lá em casa… (convidou). Minha mãe vai fazer sopa de lentilhas…

– Sopa de lentilhas? Adoro lentilhas! (falei animada). Vou visitar a dona Carmem no hospital e depois peço pro Horácio me levar lá…

– Você vai no Hospital Municipal? (sinalizei afirmativamente). Me liga quando estiver saindo que eu passo te pegar…

– Não sei Gui, não quero dar trabalho…

– Dar trabalho? Eu vou estar bem mais perto que o Horácio… (ele sorriu) Me liga tá? (disse antes de me beijar e entrar no carro).

Entrei em casa e minha mãe me esperava na sala sorrindo.

– Ok, ok… Nós estamos namorando! (falei animada).

– Parabéns amor! (ela me abraçou). Fico tão feliz por você! Então como foi?

Subimos até o meu quarto e aproveitei seu interesse para contar tudo que tínhamos feito desde que sai de casa. Era muito bom ter alguém para quem contar. Eu podia ter perdido minhas amigas, mas não estava sozinha.

Ela estava contente, e me ouvia atentamente. Perdemos a noção das horas e com isso o jantar. A Marta levou uns sanduíches pra gente comer e continuamos conversando. Pensei em perguntar a ela sobre o Ricardo, mas tive medo de que o assunto a colocasse novamente distante.

Já estava de madrugada quando ela mesma falou:

– Eu não sabia que o Ricardo nunca tinha se casado… (muito bem, quem espera sempre alcança!).

– Parece que perdeu a chance com um grande amor do passado…

Eu estava sendo irônica, e ela percebeu, ficou muito vermelha e começou a rir jogando um travesseiro pro meu lado.

– Não comece mocinha…

– O quê? (me fiz de desentendida). Eu só disse o que o Guilherme me contou…

– Eu sei, parece mesmo que vocês têm conversado muito sobre esse assunto…

– É serio! (eu me concentrava para não rir). Ele me disse quando me pediu em namoro, que não queria me perder como o tio tinha perdido (não falei que era minha mãe), o grande amor da sua vida, só por não ter tido coragem…

– Olha Cléo, eu não me arrependo de ter me casado com o seu pai (ela estava séria), ele não foi assim a vida toda, e era uma boa companhia quando nos casamos… (ficou pensativa). Mas se você quer mesmo saber, eu tive minhas dúvidas sobre os sentimentos do Ricardo, sempre fomos amigos e assim como as vezes ele dava sinais positivos, acabava voltando a me tratar como uma irmã mais nova, e eu já estava cansada disso. Eu já não era criança e queria alguém que me levasse a sério, seu pai estava por perto, então acabamos nos envolvendo, e mesmo tendo acabado da maneira como acabou, valeu a pena porque tivemos você…

Ela me abraçou emocionada…

– E como ele está agora? (aproveitei para perguntar). Ainda não aprendeu a levá-la a sério?

– Acho que está aprendendo… (ela respondeu sorrindo).

– Olha só, espero que tenha consideração comigo, hein? Se rolar alguma coisa quero ser a primeira a saber… (brinquei).

– Pode deixar, é uma promessa. Mas não tenha pressa, acho que o Guilherme deve ter puxado o tio…

– Então é questão de dias, porque pode não parecer, mas o meu namorado é um cara de muita iniciativa! (brinquei).

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