A filha do senador 021 – Gisele Corrêa

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Minha mãe foi a primeira a se levantar e já foi acordando todo mundo. Nem mesmo a Marta conseguiu salvar-se do seu bom humor, e quando desci as duas estavam combinando como fariam com o almoço, a dúvida estava entre voltarmos comer em casa, ou mandar o almoço até lá pelo Horácio.

– Não se preocupe Lu, eu vou preparar tudo e mandar pra vocês… (Uma Marta muito sonolenta falava enquanto preparava o café).

– Serão seis pessoas… (minha mãe pensava em voz alta). Acha que devemos levar algum lanche, caso alguém fique com fome antes do almoço? (procurava alguma coisa no armário). Minha mãe sempre mandava alguma coisa pra gente… Quem sabe umas frutas?

– Foi uma sorte terem marcado pra hoje (a Marta conversava comigo ignorando os delírios de minha mãe). Mais um pouco e seria impossível entrar na água de tão frio que vai ficar…

– Eu não vejo a hora de conhecer este lugar…

– A sua mãe ia muito lá quando era mais jovem, mas agora esteve meio abandonado, o Horácio mandou dois empregados para fazer a manutenção esta semana. Disseram que o pior era o mato, mas agora já deve estar bem limpinho…

Eu esperava que sim, o céu estava limpo e o sol brilhava com força. O dia perfeito para estrear meu biquíni novo. Tudo bem que eu teria que passar uma boa dose de protetor solar no meu corpo, porque realmente a minha pele é muito branca, mas quem liga pra isso?

Subi ao meu quarto, separei um kit de sobrevivência com filtro solar, roupa reserva (tinha dúvidas se teria lugar para trocar, mas mesmo assim não custava nada levar), escova de dentes, chinelo e todas as outras coisas que carregava diariamente na bolsa (celular, espelho, gloss, etc…).

Vesti meu biquíni por baixo da jardineira, calcei um par de tênis brancos, amarrei meu cabelo em um rabo, peguei meus óculos de lentes grandes e desci.

Minha mãe ainda andava de um lado pra outro separando coisas que ela achava que poderiam ser necessárias.

– A senhora não vai se arrumar? (perguntei).

– Em um minuto, só quero ter certeza de que não estou esquecendo de nada…

– Relaxa mãe, vai dar tudo certo… (tentei acalmá-la).

– Ok, acho que já peguei tudo, então vou subir pra me arrumar, se alguém chegar antes de eu ficar pronta, você manda entrar que eu já desço.

– Tudo bem mãe, pode deixar… (falei caindo no sofá).

– A propósito… (ela voltou) você está linda, mas não esqueça de passar bastante protetor.

– Já está no kit… (falei mostrando a bolsa e ela saiu).

Fiquei olhando as caixas que tinham sido separadas em cima da mesa, na sala de jantar, e pensei se minha mãe não estava sendo um pouco exagerada na quantidade de cervejas (desde que me mudei não tinha visto ninguém bebendo uma), refrigerantes, sanduíches, bolos, frutas e biscoitos.

Ela também tinha separado um gazebo de armar, uma bola, e duas boias grandes, todos ainda na embalagem, o que me fez pensar que tinham sido comprados na manhã anterior.

– Parece meio exagerado não? (a Marta lia meus pensamentos e eu concordei). Antes não era preciso nada disso (explicou), eu cansei de vê-los sair daqui com suas roupas de banho, sem nem sequer levar uma toalha. Simplesmente embarcavam nas bicicletas e saiam, chegando no final da tarde molhados e cheios de histórias.

– Deve ser a falta de prática…

– Pode ser, mas agora que as coisas estão voltando pros eixos, terão muitos sábados como este para pegar prática…

Ela sorria, e eu sorri também, se existia alguém que conhecia bem minha mãe era esta senhora. Mais ainda do que a minha avó era ela quem estava sempre por perto cuidando dos machucados e arrumando as bagunças.

– Em uma coisa seu avô sempre esteve certo, a Luiza nunca deveria ter saído de casa, ainda mais para se meter com um político… (ela parou um instante pensando que eu poderia não gostar então continuou em tom de desculpas). Desculpa Cléo, eu sei que ele é seu pai, mas nós sempre torcemos pro outro… Sabe como é, a família conhecida, gente de bem… (falava rápido).

– Não esquenta Martinha… (falei abraçando-a). Eu sei muito bem o pai que eu tenho, mesmo que tenha descoberto da pior maneira…

– Ele não tinha o direito de fazer minhas meninas sofrer… (parecia brava).

Uma buzina tocou na frente de casa e estiquei o pescoço para ver quem era.

– Na verdade ele nos fez um favor… (falei alegremente indo me encontrar lá fora com o Gui).

Minha mãe não demorou muito, na verdade assim que ouviu a buzina desceu apressada com um maiô por baixo de uma saia longa, óculos escuros e um chapéu de abas largas. Trazia uma bolsa grande e imaginei que assim como seu lachinho fora preparado para um batalhão, seu kit sobrevivência era capaz de manter vivo todo o exército brasileiro.

– Ai Gui é você (parecia desanimada). Achei que poderia ser seus pais… (continuou).

– Eles já devem estar chegando… Eu vim na frente, achei que poderiam precisar de ajuda… (ele explicou).

– Ótima idéia… (ela sorria indecisa). Mas acho que já arrumei tudo…

Nós ficamos parados na sala observando-a ir até as caixas e verificar se não estava faltando nada…

– É engraçado, esqueci completamente o que levávamos… (segurei o riso). Mas acho que está tudo bem… O Horácio disse que se faltar alguma coisa é só ligar que ele leva… E a Marta garantiu que não está faltando nada… Ela deve mesmo se lembrar, porque eu só consigo lembrar das bicicletas…

Ouvimos outra buzina, e minha mãe correu até a porta. Nós fomos atrás e paramos sem chegar a descer a escada.

– Que bom que chegaram! (falou indo encontrá-los). Estou tão em dúvida com as coisas que separei…

Pensei que eles iriam rir dela, mas quando olhei no banco de trás do carro percebi que estava tão cheio quanto a nossa mesa.

– Também separamos algumas coisinhas… (a Isabel tinha descido do carro) O Ricardo já está vindo (explicou), ele pediu que a gente esperasse um pouco, ele só ia dar uma passadinha no hospital e já está vindo…

– Quantas pessoas vão a este passeio? (o Gui perguntou baixinho no meu ouvido).

– Acho que somos só nós seis…

– Então porque esses malucos estão levando tanta coisa? Nem que eu quisesse teria lugar pra mim neste carro… (ele olhava o carro dos pais).

– Acho que eles têm medo de que com a idade tenham passado a comer como leões e não tenham percebido… (brinquei).

– Deve ser isso…

Ainda estávamos lá na frente quando a caminhonete do Ricardo estacionou atrás do caro do irmão. Eu tinha me preparado para ver mais caixas, mas ele desceu de bermuda e camiseta com um sorriso largo.

– Todos prontos para um ótimo dia? (perguntou abrindo os braços como se quisesse abraçar o mundo).

– Acho que sim! (minha mãe falou em uma tentativa desastrosa de parecer segura).

– Então vamos! (os pais do Gui voltaram para o carro).

– Só um minuto, vou pegar a caminhonete… (minha mãe falou virando-se para a casa).

– Ei Lu (o Ricardo chamou alto), não somos mais garotos que cada um tenha que ir com a sua bicicleta. Vamos, você vem comigo…

– Então tá… (ela parecia sem jeito). Só vou pedir pro Horácio trazer as coisas…

– Vamos lá, eu pego pra você… (falou se aproximando e conduzindo-a pela cintura)

Eu e o Guilherme esperamos um pouco antes de entrar no carro, queríamos ver a cara do tio dele quando minha mãe mostrasse o tanto de coisas que havia separado.

Eles entraram em casa, e nós fomos atrás com a desculpa de buscar minha bolsa.

– Pensei que só passaríamos o dia… (ele brincou pegando uma das caixas).

– Você acha mesmo exagero? (minha mãe olhou pra ele com uma cara que eu não conseguiria definir, como se tivesse feito alguma coisa muito errada).

Ele soltou novamente a caixa em cima da mesa, e pegou a mão dela com carinho (de uma maneira que nunca vi meu pai fazer), então olhou bem pra ela e falou com voz calma:

– Não se preocupe Lu, está tudo perfeito…

Achei que minha mãe ia desabar de tão emocionada que ficou, pude perceber o quanto ela estava carente, talvez a Marta estivesse mesmo certa, minha mãe não deveria ter se envolvido com o meu pai…

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