A filha do senador 024 – Gisele Corrêa

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Chegamos na pizzaria, e ele foi deixando tudo encaminhado para quando os funcionários chegassem, então pegou o telefone e começou a digitar.

– O que vai fazer? (perguntei).

– Pedir reforços…

– Mais já?

– É vou me antecipar aos acontecimentos, se fizermos com que tudo dê certo hoje pode ser que eles aceitem minha sugestão de tirar umas férias. Tenho uns amigos que vão gostar de dar uma mão…

Deixei-o falar e fui terminar de baixar as cadeiras. Ele veio me ajudar pouco depois.

– A galera já está chegando, a Marina ficou de avisar o Binho e o Cláudio…

– Marina? (fiquei intrigada).

– É, mas pode ficar tranqüila, a Dana não foi convidada (ele sorriu). Eu tenho que subir pra tomar um banho, o Kiko já deve estar chegando.

– Tudo bem, vou ficar esperando…

– Eu não vou demorar…

Fiquei sozinha na pizzaria e aproveitei o tempo para guardar uma pilha de pratos do balcão.

O Kiko chegou mesmo pouco tempo depois e foi direto pra cozinha iniciar o trabalho, depois veio a Marina e seu irmão Cláudio.

– Oi Cléo! Até você entrou na dança é?

– Pois é, minha mãe inventou um jantar… Sobrou pra gente… (brinquei antes de cumprimentá-la com um abraço).

– O Binho já está chegando (explicou).

Eu não sei se você já o conhece ele é o vocalista da mesma banda do Gui (falava rápido). E meu namorado é claro! (sorriu).

O Gui desceu pouco depois vestindo um jeans escuro e uma camiseta azul com a logomarca da pizzaria. Estava lindo!

– Oi turma… (falou ao chegar). Trouxe isso pra vocês… (entregou uma camiseta igual a sua para cada um de nós). E o Binho?

– Já deve estar chegando… (a Marina apressou-se para explicar).

Enquanto conversávamos os outros empregados foram chegando e o Gui foi até a cozinha explicar a eles o que estava acontecendo.

Dividimos as tarefas, e eu fiquei no caixa com a Marina, o Guilherme ia para a cozinha e o Cláudio se ofereceu para ir com ele, porque não queria correr o risco de ter de dar algum autógrafo, e o Binho (um cara simpático não muito alto de pele clara e olhos azuis), montou o teclado e de tempo em tempo cantava uma música para animar os fregueses. E ele era muito bom nisso.

Trabalhamos muito, e a noite toda foi muito movimentada. A Isabel e o Henrique chegaram perto da meia-noite, mas não ficaram ali, ao contrário, disseram que estávamos indo bem então eles iam subir.

O último cliente saiu perto das 2h e eu estava exausta. Os funcionários se encarregaram da limpeza, e nós pegamos duas pizzas grandes e sentamos em uma das mesas para devorá-las.

– Então, o que vão fazer amanhã? (a Marina perguntou animada).

– Tenho um compromisso pela manhã, mas nada ainda pra de tarde (anunciei).

– A gente bem que podia ir ao cinema, ou fazer alguma outra coisa… (o Binho cortava um grande pedaço de pizza).

– Para mim, não vai dar, to morto (o Cláudio parecia desanimado), e ainda tenho um desfile em São Paulo na segunda, minha primeira viagem dirigindo sem ninguém comigo.

– Sorte dele que tem um carro, eu vou ficar sem motorista até que ele volte…

– Não esquenta amor, sabe que pode usar e abusar do Jarbas aqui.

O Binho declarou sorrindo e ganhou um beijo demorado da namorada e um olhar atravessado do irmão dela.

– Cuidado com o lugar pra onde leva ela… (falou quase sem abrir a boca).

Terminamos de comer e os três foram embora, eu estava muito cansada e meus pés latejavam de tanto ficar em pé.

– Quer que eu leve? (ele perguntou lendo meus pensamentos e eu concordei com a cabeça). Tudo bem, só vamos subir pra falar com meus pais, e depois te deixo em casa…

Ele me deu um selinho e subimos.

– Mandaram bem heim moleque? (o pai dele foi falando antes mesmo de entrarmos).

– Pois é, pai eu vou levar a Cléo em casa…

– Nem se incomodem (a Isabel entrou com roupas de cama e um travesseiro), acabei de falar com a Lu (pegou-me pela mão) você dorme aqui em casa!

Fiquei espantada com o convite (se é que podemos mesmo chama-lo assim), e tentei recusar, mas eles fizeram questão, então acabei ficando.

Arrumaram uma cama na sala pro Gui, e eu deveria dormir no quarto dele. Tentei impedi-los e falei que dormiria sem problemas no sofá, mas ele foi categórico:

– Este sofá (apontou o sofá), é o meu sofá… E ninguém além de mim pode dormir no meu sofá… (fazia movimentos largos como se declamasse um poema), existem muitos sonhos meus, muitos pensamentos guardados aqui, e sinceramente, você ficará melhor na cama… (brincou).

– Jura?

– Sobre a bíblia (continuava brincando). E tem mais, vai que os meus sonhos, entram na sua cabeça, por engano…

– É mesmo é? E o que tem nos seus sonhos que eu não devo saber? (fiz o possível para não rir enquanto falava).

– Melhor, eu não contar você pode ficar envergonhada… (falava no meu ouvido).

– Tenta…

– Ok, eu dormi neste sofá depois do seu primeiro jantar aqui em casa (ia se afastando enquanto falava), e me desculpa, mas você estava de mais… (sorriu malicioso)

– Você não tem vergonha! (corri atrás dele).

– Falei que você podia não gostar… (corria em volta do sofá).

– Crianças, hora de dormir… (o Henrique avisou antes que eu pudesse pegá-lo).

– A gente conversa amanhã… (falei dando as costas).

– Se quiser trocar de roupa, deixei uma camiseta minha em cima da cama… (gritou antes que eu chegasse até a porta). Cléo… (chamou e eu me virei). Boa noite…

Não tinha como não sorrir, ele estava parado no meio da sala com calça de pijama cinza e uma regata branca, (daquelas que deixavam seus ombros em evidência). Sorria o seu sorriso mais lindo…

Uma camiseta grande (ainda com o perfume dele) estava dobrada em cima da cama. Eu tranquei a porta do quarto, tirei meu jeans e a camiseta da pizzaria, e vesti a outra. Olhei no espelho, mesmo eu estando um bagaço (com cabelo despenteado e maquiagem acabada), tinha ficado legal.

Enxagüei minha boca no banheiro e me deitei. No forro do quarto haviam estrelinhas fluorescentes coladas e quando apaguei a luz parecia que estava dormindo a céu aberto…

Pensei um pouco no que ele tinha falado, era um pouco constrangedor, mas mesmo assim não deixava de ser um elogio, afinal ele tinha sonhado comigo, e isso antes mesmo de me conhecer…

Tive ótimos sonhos naquela noite, e mesmo tendo ido dormir tão tarde, acordei no horário de sempre. Escutei vozes fora do quarto, troquei de roupa, dei um jeito no cabelo e sai.

O Ricardo já estava ali e conversava com o Guilherme na sala. Pareciam muito sérios e isso abalou um pouco meu bom humor.

– Oi amor… (era a primeira vez que ele me chamava assim, mas não parecia animado), o tio Ricardo precisa falar com você.

– Falar comigo? (estava assustada).

– A dona Carmem (só de ouvir o nome meu sangue gelou).

– Ela está bem? (perguntei antes que terminasse).

– Não muito (parecia preocupado), ela quer vê-la.

Fui com ele até o hospital, não era a mesma pessoa descontraída do dia anterior, estava calado e seu silêncio aumentava meu nervosismo.

Na recepção Ester apenas nos observou passar, sem dizer uma palavra. Eu ia direto para o 31, mas ele pediu que o seguisse, tinham mudado de quarto, agora ela estava em uma área restrita.

Acompanhei-o por outro corredor um pouco mais escuro (ou podia ser apenas meu estado de espírito?). Entramos por uma porta grande que levava a outro corredor, na terceira porta ele parou e abriu.

– É aqui.

– Você não vai entrar?

– Mais tarde eu volto, vou deixar que vocês conversem com calma, tenho outros pacientes que podem estar precisando de mim, mas se precisar é só chamar…

– Tudo bem… (falei entrando no quarto).

Era bem diferente vê-la ali abatida, seus olhos estavam fechados e pensei que estivesse dormindo. Olhei ao redor do quarto, haviam muitos aparelhos ali, e faziam barulhinhos compassados, “a sinfonia da dor”, pensei que deveria se chamada.

Sentei em uma poltrona antiga e fiquei calada esperando que acordasse.

– Bom dia menina… (ela falou pouco depois, me fazendo pular da cadeira).

– Bom dia… (respondi com um sorriso forçado). A senhora queria me ver?

– Estava com saudades, e com medo de ir sem me despedir… (sua voz era fraca). Também queria saber como termina o livro…

– Podemos terminá-lo…

Olhei para o livro, era realmente longo e nem mesmo havíamos chego a metade. Ela pareceu concordar e eu peguei-o da mesinha e abri na página que havíamos parado.

Mesmo cansada, não parei de ler até que o Ricardo chegou e fizemos uma pequena pausa. Aproveitei este tempo para ligar pra minha mãe e avisar sobre onde estava.

Continuei lendo para ela, e a história foi ficando novamente interessante, as aventuras do Cavaleiro da Triste Figura, ia tomando conta do quarto e não senti o tempo passar.

O Gui ligou perto das 15h e sentindo-se um pouco melhor, mas mesmo assim cansada dona Carmem pediu que eu fosse me divertir e voltasse no outro dia, o que eu prometi que faria.

Minha mãe passou para me pegar e fomos para casa, eu estava cansada e precisava de um banho antes de pensar no que iria fazer. Já limpa e um pouco mais disposta, fiz um lanchinho rápido e liguei pro Gui, ainda havia tempo para um cineminha.

 

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