“Sinto que a literatura, ou qualquer forma de expressão artística, feita com a verdade daquele que a produz, merece, antes de tudo, respeito. Se há ineditismo, se rompe paradigmas, e mesmo se há qualidade, é uma outra discussão.”
Frankfurt, na Alemanha, recebeu mais uma edição da sua Feira do Livro. Entre os dias 14 e 18 desse mês, reuniram-se editores, escritores, agentes literários e um público do mundo inteiro naquela que é conhecida como a principal Feira do Livro do mundo. Para o Brasil, especialmente, a Feira do Livro de Frankfurt representa uma grande oportunidade do ponto de vista editorial, mercadológico e de promoção da literatura brasileira no exterior. Afinal, o país foi o grande homenageado na edição de 2013 da Feira – tendo levado 168 editoras – e o interesse do público estrangeiro na literatura brasileira, inclusive na boa literatura produzida fora do eixo Rio – São Paulo, aumentava.
Em 2014, porém, o país levou 41 editoras a Frankfurt e, neste ano, ainda menos: 36 editoras. Não sou editor, nem escritor. Sou leitor. Esses números decadentes podem soar alarmantes para os profissionais da área. Como leitor – a princípio – interessa a mim a literatura que gosto, que contenha verdade. Não se trata, necessariamente, da literatura consagrada, badalada, nem mesmo dos “cânones” de Harold Bloom ou dos “clássicos” de Calvino. Mas a mim interessa – e a cada um deve interessar, à sua maneira – na condição simples de leitor, aquela literatura que exprima, independente da forma, do local de nascimento do autor ou do enredo do livro, a verdade dos sentimentos humanos. A literatura sem categorização. Que carregue, no seu fazer, a verdade de quem se propõe a produzir arte.
Sinto que a literatura, ou qualquer forma de expressão artística, feita com a verdade daquele que a produz, merece, antes de tudo, respeito. Se há ineditismo, se rompe paradigmas, e mesmo se há qualidade, é uma outra discussão. Porém, quando o autor se propõe a escrever com a sua verdade, então põe tudo o que tem à prova. Quando vai além do raso e mergulha com poesia no oceano dos sentimentos humanos, a arte prospera. Essa verdade – que não é minha, nem de leitor algum, nem mesmo é absoluta – para ser encontrada num livro, exige tempo, entrega e paixão à leitura. Exige um olhar além daquilo que está posto. Essa verdade, aliada à profundidade de conhecimento do autor sobre os sentimentos humanos, além do seu poder narrativo, é atemporal. Nunca está na moda, porque não é passageira, mas nunca sai de moda, porque não tem lugar no tempo. Atribui ao livro valor literário e artístico. Porém, não possui, necessariamente, valor comercial. Não vende por si só.
Por isso, como leitor, não me surpreendo com a declaração da agente literária alemã Nicole Witt, dada em Frankfurt, de que “a literatura latino-americana não está muito na moda”. Witt, que intermedeia a venda de autores brasileiros para o exterior, disse, ainda, que “houve uma saturação da literatura brasileira no exterior”. Propôs, como solução para despertar o interesse no Brasil, que sejam produzidos livros que tenham como pano de fundo o Rio de Janeiro, dada a realização das Olimpíadas, na cidade, no ano que vem.
No tempo da literatura do espetáculo, do nada a dizer, da prevalência da imagem sobre o conteúdo, não surpreende – embora revolte – que a literatura, para vender, precise estar “na moda”. Não quero, com isso, que os livros não devam vender. O ofício da escrita é um trabalho e, como tal, precisa ser pago para que continue. O buraco negro da questão é a subordinação do escritor à moda. Impera, nas artes em geral, o encolhimento da qualidade frente à grandeza sufocante do mercado. O silêncio daquilo que choca frente ao barulho ensurdecedor do senso comum. Livros, músicas e filmes “da moda” produzidos em série, prontos a consumir, como um fast-food enganador de fome para uma massa gigantesca de intelectuais de porcelana, incansáveis na tentativa desesperada de mostrar que lê. Mostrar que consomem literatura descolada e que, sem perceber, caminham como uma manada que alimenta a robotização da literatura, contribuindo para a coletivização do pensamento. Consumir a literatura “da moda” é tão ruim ou pior do que não consumir literatura. Esse “consumidor” alimenta a faceta estritamente mercadológica do livro e faz surgir, das entranhas da mediocridade, os best-sellers que abarrotam as livrarias e esvaziam os pensamentos.
A internet e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e promoção de conteúdo artístico e informacional, à parte dos seus inegáveis benefícios, deram impulso e estabeleceram como regra aquele comportamento que é o maior inimigo da experiência artística: a pressa. Vivemos num mundo habitado por uma maioria de seres humanos que lutam, de maneira medonha e caduca, para jamais perder tempo. Por isso, nada pode durar muito. O livro deve ser curto, o filme deve ser breve, a música jamais deve ultrapassar os três minutos. Os capítulos enxugados, os parágrafos medidos em poucas linhas e as frases miúdas. A moda, usufruindo de um poder que não se sabe de onde se originou, mas se obedece sem questionar; estabelece qual livro, filme ou música vai vender, e por quanto tempo. O critério passa longe de ser a qualidade, diga-se, mas aquilo que se convenciona chamar “demandas do mercado”. Atualmente, aliás, devem vender por pouquíssimo tempo. Depois disso, caminharão pelos vazios do esquecimento e, lá adiante, encontrarão os últimos sopros de vida naquelas pessoas que ignoram a literalidade do tempo, e vivenciam a arte pelo seu próprio prazer.
A literatura que se propõe à verdade, à viagem desmedida e cheia de percalços rumo à exploração dos sentimentos humanos, não pode, por sua essência, render-se à moda. Sobretudo, porque não é puro divertimento. A experiência artística que realmente é capaz de transformar, ampliar os horizontes do limitado olhar humano, é intrigante por natureza. Seu primeiro contato é repulsivo e, logo depois, encantador. A moda exige o puro divertimento, e é a isso que se propõem os livros que a ela se rendem. Sugerem o divertimento por si mesmo, banalizam a cultura e consagram a frivolidade. São feitos para vender e, descartáveis, serem jogados fora. A literatura feita com verdade, não. Essa supera a moda e, para cada leitor que vive intensamente a sua experiência, nunca vai ser esquecida.