“Estes são diálogos frequentes no meu cotidiano. A partir deles – e da necessidade persistente do mundo de me encaixotar em alguma identidade fixa e fácil de compreender – comecei a me indagar sobre isso.”
Imagine que a cada semana você recebe um texto de uma mulher – pode ser uma carta ou um e-mail. Hoje pode ser uma interpretação sobre um filme ou um livro, na próxima um comentário sobre um assunto de ampla repercussão nacional. Na escrita de ambos os textos se nota a busca por uma visão particular, capaz de compreender o que é de si e o que ocorre com grupos. Essa é uma das interpretações possíveis da produção de Eliane Brum.
A menina quebrada e outras colunas é uma coletânea de 64 textos escritos entre 2009 a 2013, período em que Eliane Brum manteve uma coluna toda segunda-feira no site da revista Época. Mas chamar de “coluna” é apenas breve formalidade, pois o tom pessoal da autora faz os textos parecerem conversas diretas com quem a lê.
“Sempre que posso, faço uma visita aos meus mortos no dia de finados. (Acho finados, aliás, uma daquelas palavras perfeitas, que dispensariam verbos e objetos, ela mesma uma sentença inteira.). Sei que possivelmente os mortos não estão em lugar algum além da nossa memória […] mas preciso apalpar os túmulos com as mãos para senti-los mais de perto.” Esta necessidade, contada na introdução de A vida dos mortos, soa uma confissão, um reconhecimento de algo particular – e o leitor ou leitora é livre para decidir o que fazer com isso.
Há exposições não apenas de particularidades, mas de algum estranhamento com o mundo. A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais Evangélico nasceu de uma cena prosaica – uma corrida de táxi, na qual a fala do motorista sobre religião e salvação da alma soa uma imposição, e o texto uma reflexão sobre as relações conflituosas entre praticantes e não praticantes religiosos. Dois andares embaixo do meu também transmite esta estranheza, mas em outra direção: é uma constatação do isolamento de uma senhora no apartamento onde mora em um condomínio devido a progressão de suas doenças, e do espanto causado ao descobrir o estado dela, pois a narradora nos conta que ninguém ousou perguntar se algo acontecia.
Mesmo quem não acompanhou a produção durante estes 4 anos pode ter uma sensação de retrospectiva, pois Aaron Schwartz, Thor e Eike Batista, a situação dos índios Guarani-Kaiowá e Laerte estão entre as pessoas cujos nomes figuraram nos noticiários sobre quem Brum teceu suas análises, na busca de um caminho pelo meio ao invés dos extremos ideológico-sociais. Tratamento estendido das gentes anônimas às mídias massificadas (a coletânea de crônicas A vida que ninguém vê é guiada por este mote, frequente na produção de Brum), no esforço de compreender o outro.
“Estes são diálogos frequentes no meu cotidiano. A partir deles – e da necessidade persistente do mundo de me encaixotar em alguma identidade fixa e fácil de compreender – comecei a me indagar sobre isso.” Este trecho de A prisão da identidade pode servir como um resumo (ainda que muito breve) do material de A menina quebrada. O mosaico criado a partir da pluralidade temática pode servir como reflexo da formação de uma pessoa – e a continuidade disto ultrapassa as definições mais precisas.
Em A menina quebrada o que a autora te oferece é um conjunto de construções e deformações de identidades e situações, convites para te forçar o raciocínio durante a leitura. E a decisão do que fazer com possíveis novas perguntas ou discordâncias é sua.
A Menina Quebrada e outras colunas
Eliane Brum
Arquipélago Editorial
432 páginas
2013