
O poder e o autoritarismo podem influenciar as pessoas a se render a um regime “fascista“, em plena democracia? Todd Strasser explica

Todd é um escritor versátil e apresenta grande facilidade na comunicação com jovens. O livro, lançado esse ano no Brasil pela Editora Galera, nos remete a um desafiador questionamento durante a leitura: seria possível um professor de história recriar o movimento nazista em sala de aula?
A aula de história
Tudo começou em uma aula de história do Colégio Gordon, na Califórnia, em 1969. A turma era o 3º ano do Ensino Médio e o tema, Segunda Guerra Mundial, até hoje um dos mais (se não o mais) “pesados” da grade curricular. O professor Ben Ross era um grande mestre, de uma didática que impressionava muitos dos seus colegas e a maioria dos alunos, e o desafio do momento era fazer a classe entender o que levou o povo alemão a apoiar Hitler.
Decepcionado com a reação dos alunos depois de ter abordado em classe um daqueles filmes assustadores da época, decide que precisa fazer algo diferente, algo que os alunos sentissem, que criasse empatia por todo aquele sofrimento.
Porém, o mestre encontra várias dúvidas no meio de tantos livros:
“Teria sido um fenômeno que os historiadores sabiam não poder ser explicado por palavras? Seria algo que só podia ser compreendido por alguém que estivesse lá? Ou, se possível, recriando uma situação similar?
O grande “experimento”: presença do autoritarismo e da intolerância
Tudo começa com uma frase no quadro-negro: “FORÇA POR MEIO DA DISCIPLINA”. Sabemos que regimes autoritários como o fascismo e o nazismo são pregadores da disciplina, então o senhor Ross assume o poder da liderança e inicia o processo de disciplinarização da classe, o que, para sua surpresa, se mostrou como algo muito promissor para o que ele buscava demonstrar. Para explicar disciplina, algumas correlações são feitas:
“Quando eu falo sobre disciplina, estou falando de poder […] Alguém aqui não tem interesse em poder e sucesso?”
“Disciplina começa com postura”
A autoridade do líder (professor) começou a ser evidente já no início do experimento, uma autoridade concreta, como foi (e ainda é) visto e temido na imagem do “grande cara” da Segunda Guerra – Hitler:
“Ben gritava ordens mais como um sargento do que como um professor”
Além da igualdade, algo importante dos regimes totalitários é o sentido de “comunidade”:
“Comunidade é o laço entre pessoas que trabalham e lutam juntas por um objetivo em comum. É como construir um celeiro com seus vizinhos”
“É o sentimento de fazer parte de algo mais importante do que você mesmo”
No sentido de comunidade, os regimes autoritários proliferam uma ideia de “igualdade” e “pertencimento” por meio da qual todos os integrantes do grupo teriam a mesma importância e relevância.
Isso foi algo que despertou o interesse nos campos nazistas e também naquela escola na Califórnia e, se formos um pouco além, vemos que muitos países na atualidade são governados por regimes autoritários que se dizem democráticos – governos esses que fazem até menções ao regime nazista, ainda que implicitamente.
Aquele experimento em 1969 foi algo muito além do que uma simples aula e as ideias do professor ao deparar com os resultados só iam aumentando: de uma aula sobre a 2ª Guerra Mundial, já tínhamos um grupo autoritário na escola, que contava inclusive com um símbolo, como os regimes passados:
“Desenhou um círculo com a silhueta de uma onda dentro. – Esse será nosso símbolo. Uma onda é um padrão de mudança. Tem movimento, direção e impacto. A partir de agora, nossa comunidade, nosso movimento, será conhecido como a Onda”
Além do símbolo, o grupo contava com uma saudação.
As ideias da Onda iam sendo disseminadas e, cada vez mais, novos membros começavam a fazer parte do grupo; era algo sem controle, algo que estava atingindo a todos. Os alunos viam na Onda a solução para o bullying, a desatenção e até o rendimento no futebol.
O grupo crescia em membros, já apresentava cartões de filiação. Apresentava também um lema, que era ouvido em todo canto na escola:
“Força Através da Disciplina, Força Através da Comunidade, Força Através da Ação”
O movimento continuava ganhando vida, união e igualdade no grupo. Alguns integrantes viam a Onda como uma verdadeira “democracia”, mas sabiam o real sentido da palavra?
À medida que o movimento se expandia, também mostrava resistência por parte de alguns alunos. Os alunos que se recusavam a se juntar à Onda começaram a ser vítimas da intolerância dos colegas, pois, para os membros do grupo, era como se quem não fizesse parte do conjunto fosse inferior e, portanto, deveria ser punido (como se houvesse lógica nessa conclusão!).
Voltamos ao autoritarismo e à intolerância dos nazistas, que fez com que os judeus, negros, homossexuais, adversários políticos e tantos outros, por serem considerados “inferiores”, fossem torturados e mortos.
O experimento avançava e já corriam boatos de agressão – ação direcionada a um menino judeu. A história estava sendo repetida? Era algo que estava ficando sem controle e o líder sabia que precisava dar um fim ao processo.
“Era como se a Onda tivesse criado vida própria e os alunos estivessem literalmente surfando nela”
Ameaças, ódio, medo, brigas e violência estavam cada vez mais frequentes em toda a escola e fora dela também.
Hora do fim x papel do líder
Ross se sentia culpado por tudo o que vinha ocorrendo. Além da culpa, via-se como um ditador. Por outro lado, ele sabia que era a hora de colocar um fim a todo o experimento, pois enfrentava muito opressão por parte de colegas, diretor, pais e, ao mesmo tempo, via-se responsável por tudo. É que ele havia criado, assim tão facilmente, e sem saber, uma espécie de autoritarismo.
“Eu sou professor deles. Fui o responsável por enfiá-los nessa situação. Admito que talvez eu tenha mesmo deixado isso se estender demais. Mas eles chegaram muito longe para simplesmente deixar para lá. Preciso forçá-los até que entendam. Eu posso estar ensinando a lição mais importante da vida desses alunos”
E, no início da aula, aquele cenário horrível e desumano foi sendo rompido:
“Não existe Movimento da Juventude Nacional da Onda. Não existe um líder […] Vocês veem no que se transformaram? Veem a direção que tomaram? Quão longe foram? Deem uma olhada no seu futuro!
A liberdade de cada integrante foi roubada pelo sentimento de superioridade da Onda. E, com o último discurso do professor, aqueles alunos puderam finalmente entender o sentido daquela aula:
“Sim, todos vocês dariam bons nazistas. Teriam vestido o uniforme, virado o rosto e permitido que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. Vocês dizem que aquele período nunca se repetiria, mas veja quão perto chegaram […] Fascismo não é algo que aquelas pessoas fizeram, ele está bem aqui, em todos nós. Vocês perguntaram como os alemães puderam ficar parados enquanto milhões de seres humanos inocentes eram assassinados? Como puderam alegar não estarem envolvidos? O que faz as pessoas negarem a própria história?”
Poder e autoridade muitas vezes são elementos que, levados às últimas consequências, permitem que as sociedades mais democráticas se autodestruam. Justamente por isso, as democracias carecem de sistemas de freios e precisam combater o autoritarismo. O livro “A Onda” é um excelente título para exemplificar, ainda que no campo ficcional, como o fascismo e o autoritarismo andam juntos com os regimes ditatoriais, ainda que travestidos de “democracia”.