A revolta silenciosa de Charlotte Brontë

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 O que faz um conto de fadas gótico sobre uma simples governanta ser tão natural e emocionante?

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Nenhum romance jamais compartilhou um ponto de vista de forma mais eficaz do que Jane Eyre, em minha opinião. Desde o minuto em que a pequena Jane é injustamente trancada no quarto vermelho por sua tia cruel, Charlotte Brontë nos conduz ao lado da personagem. Nós vemos o que ela vê e nos apaixonamos, como ela, pelo feio e rude Sr. Rochester. A voz de Jane Eyre não tem distância. É natural, persuasiva e emocionante, assim como era em 1847.

Charlotte Brontë teve uma vida curta e difícil, morrendo aos 38 anos de uma doença na gravidez (já tendo perdido todos os seus cinco irmãos, incluindo as escritoras Anne e Emily). Sua vida era governada por seu pai Patrick, vigário de Haworth. Sua biógrafa, Elizabeth Gaskell, disse que ele tinha uma “forte e apaixonada natureza irlandesa… obstringida por um estoicismo resoluto”. O mesmo poderia ser dito da escrita de sua filha. A essência de Jane Eyre é um conto de fadas gótico: uma órfã, um homem poderoso e sua esposa louca – tudo enlaçado por reversões do destino. No entanto, o tom é suavizado pela concisão de Yorkshire. “Não gosto de falar tolices”*, Jane diz a Rochester.

“Você espera paixão, excitação e melodrama?” Charlotte Brontë pergunta em seu romance posterior, Shirley. “Acalme suas expectativas… Algo real, arrojado e forte está perante você, algo pouco romântico como uma segunda de manhã.” São essas qualidades que fazem Jane Eyre sensacional. Ao contrário da imaginação selvagem de Emily, a fantasia de Charlotte está ancorada nas emoções reconhecíveis de uma pequena e simples governanta. Depois de conhecer o Sr. Rochester, Jane olha para a lua e as estrelas e sente suas veias cintilarem, mas é trazida de volta à Terra por um relógio no vestíbulo. “Dei as costas para lua e estrelas, abri a porta lateral e entrei”*. Charlotte Brontë sabe o que é ser um dos milhões em uma revolta silenciosa contra o destino. Jane é tão obstinada pela vida que suas “veias cintilam” bastante. “Abrimos Jane Eyre“, Virginia Woolf disse, “e em duas páginas, cada incerteza é varrida de nossas mentes.”

Marcas em uma voz: o que faz um conto de fadas gótico sobre uma simples governanta ser tão natural e emocionante? Bee Wilson aponta o que Charlotte Brontë fez…

REGRA DE OURO: Charlotte mantém a subjetividade. Ela mostra como os sentimentos fazem paródia de um dogma social e religioso. Jane continua sendo repreendida por sua fome, seja por pão ou por amor, no entanto, ela não pode mudar a forma como se sente: “Eu era um ser humano, e tinha necessidades próprias de um ser humano”*.

DECISÕES IMPORTANTES: Charlotte mistura o modo de narrar – às vezes romântica (“nuvens baixas e pálidas”*), às vezes devota (“Deus me perdoe!”*), às vezes utilizando outro vocabulário: “Entrei no conhecido processo de causar a minha própria ruína”*, revela Rochester, “como tantos outros tolos”*. Ao começar pela infância de Jane, quando ela é mais vulnerável e complacente, a nossa identificação com ela torna-se tão completa que, a menos que você tenha lido O Vasto Mar de Sargaços (Wide Sargasso Sea), de Jean Rhys, você não dá uma segunda chance aos sentimentos da Sra. Rochester.

PONTOS FORTES: A descrição visual (“A charneca parecia um deserto dourado”*), nunca se estendendo demais; e a caracterização, principalmente de tipos desagradáveis, do pastor St John Rivers, elegante, mas frio como uma estátua, a John Reed, um menino sombrio que se transforma em um homem dissoluto. A estudiosa de Brontë, Heather Glen, argumenta que o efeito da descrição tão forte desses personagens menores é fazer com que Jane seja ainda mais enigmática.

MODELOS: As Brontës liam tudo – da Bíblia até As mil e uma noites. Charlotte era fã de Thackeray, e dedicou a segunda edição de Jane Eyre a ele. Mas a dor profunda de Jane brota da vida de Charlotte, não da literatura: a morte de sua irmã Maria, quando Charlotte tinha nove anos, e a dependência miserável de ópio de seu irmão Branwell.

TRUQUE FAVORITO: Dirigindo-se a nós individualmente, como em “Leitor, eu me casei com ele.”*, Charlotte nos coloca em termos íntimos, mas que também nos concede alguns apartes astutos. Quando o Sr. Rochester, completamente encantado, elogia Jane em seus “olhos castanhos radiantes”, ela, sem muita emoção, declara “Eu tinha olhos verdes, leitor”*.

SENTENÇA SIMBÓLICA: “É inútil dizer que os seres humanos deveriam satisfazer-se com uma vida tranquila. Eles precisam de ação. E se não a encontrarem, irão fazê-la acontecer.”*

 * Os trechos de Jane Eyre são de tradução de Heloisa Seixas: BestBolso, 2011.

Traduzido e adaptado do Intelligent life.

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