Conheça um pouco mais sobre Arsène Lupin e a aventura onde o ladrão de casaca quase desiste de tudo.
Da literatura para a Netflix
Se você nunca ouviu falar de Arsène Lupin, provavelmente não conhece a série da Netflix com o carismático ator francês Omar Sy. Nela, um ladrão profissional, mestre em disfarce e trapaça, vive diversas aventuras ao lado de parceiros e rivais importantes.
Assane Diop, o nome verdadeiro do protagonista, se inspirou em um personagem literário, o Arsène Lupin em questão. Ele ganhou um livro de seu pai quando criança, conhece toda a obra do ladrão de casaca e passa a adotar sua identidade.
A trama gira em torno de muita ação, drama familiar, romances improváveis, investigação e jogo de poder. A série é de 2021 e possui até então duas temporadas. Já a série de livros que a inspirou data do início do século XX. O personagem foi criado pelo escritor Maurice Leblanc.
Um pouco sobre o autor
Maurice Leblanc nasceu em 1864 em Rouen, na França. Filho de pais ricos e fãs de arte, irmão de Georgette Leblanc, que se tornaria uma cantora e atriz de sucesso. Foi educado na França, na Alemanha e na Itália.
Em 1888, ele decidiu se dedicar integralmente à escrita, e para isso abandonou a faculdade de direito e o emprego na empresa do pai. Mudou-se para Paris, onde trabalhou como jornalista, enquanto escrevia seus contos, romances e peças teatrais. Autor bastante prolífico, publicou mais de sessenta livros em vida.
Em 1905, a convite do editor Pierre Lafitte, escreveu uma novela policial para a revista francesa Je Sais Tout. Ela teve o título de “A detenção de Arsène Lupin” e marcaria a primeira aparição do personagem que o imortalizaria.
A publicação foi de grande sucesso, o que estimulou o autor a escrever outras aventuras com o anti-herói. Durante várias décadas, Lupin protagonizou quinze romances, três novelas, trinta e oito contos, quatro peças de teatro e dois outros romances publicados postumamente. As aventuras de Lupin também foram adaptadas para o cinema, sendo o primeiro filme de 1932, dirigido pelo produtor e ator americano Jack Conway.
Arsène Lupin, o ladrão de casaca
Conforme nos conta Rodrigo Lacerda na apresentação da edição da Zahar de “A rolha de cristal”, o personagem Lupin parece ter sido uma mistura de cinco figuras históricas e literárias: o anarquista francês Marius Jacob, famoso pela generosidade com suas vítimas; um conselheiro municipal de Paris chamado Arsène Lopin; e três ladrões de casaca ficcionais – Raffles, criado por Ernest William Hornung, e os dois outros de Octave Mirbeau, sendo Arthur Lebeau, do romance Os 21 dias de um neurastênico, e o protagonista da peça Scrupules.
O célebre Sherlock Holmes também é uma referência para Leblanc, aparecendo inclusive em algumas das histórias de Lupin. O ladrão, que está do lado contrário da lei, acaba levando a melhor sobre o detetive. Isso não agradou Conan Doyle, que recorreu à justiça contra o autor francês. Assim, ele mudou o nome do personagem para Herlock Sholmes.
Lupin é conhecido por sua astúcia, sendo capaz de se antecipar aos fatos e ter sempre uma carta na manga. Costuma se camuflar em diversas identidades e conta com a ajuda de comparsas fiéis e úteis para seus planos.
Ele é irônico, brincalhão, charmoso e brilhante. Possui uma ética pessoal, roubando sempre de pessoas muito ricas e jamais recorrendo ao assassinato, por exemplo. Por isso acabou se tornando tão simpático aos olhos do público, que fica fascinado com seus truques e acaba torcendo por seu sucesso. Leblanc, o autor, chegou a ser convidado a colaborar na polícia francesa, tamanha a perspicácia demonstrada nas histórias policiais.
A rolha de cristal
Neste romance, publicado originalmente em 1912, nos deparamos com um Lupin mais humano, menos seguro de si. Ele enfrenta um grande desafio ao lidar com um rival à altura, o deputado Daubrecq. No começo do livro, o ladrão organiza, juntamente com dois de seus comparsas, Vaucheray e Gilbert, um roubo à casa do deputado, que está viajando. Porém, a situação foge ao controle, pois um dos empregados se encontra na casa. Mesmo rendido, ele consegue chamar a polícia e acaba sendo morto por Vaucheray. Lupin foge, com a promessa de salvar os companheiros da prisão.
Porém, o anti-herói acaba descobrindo que o roubo era apenas um pretexto para recuperar um objeto muito cobiçado, a rolha de cristal do título. Ela não possui valor financeiro, e sim político, pois esconde um documento comprometedor.
Aos poucos, Lupin se vê numa grande intriga, que envolve muitas pessoas importantes na sociedade, um jogo de interesses intrincado. Ele é desmascarado, enganado, traído e chega a perder as esperanças em algumas ocasiões. Porém, não deixa de fazer suas piadas e reviravoltas.
O romance não é de modo algum previsível ou monótono. A cada capítulo há um evento novo, que movimenta a trama. Ficamos curiosos para saber quem vai ganhar a batalha e qual será a próxima jogada, assim que entendemos tudo que está em questão e quem são os verdadeiros aliados e oponentes. Será que Lupin será enfim derrotado ou conseguirá dar a volta por cima; se sim, como ele agirá?
Alguns trechos da obra
Confira alguns trechos selecionados da obra, para conhecer um pouco da escrita de Leblanc e perceber como o psicológico de Lupin se encontra abalado nessa história.
“Na verdade, (Lupin) sentia-se perdido, perturbado no mais profundo da alma. Continuava a agir apenas por obstinação, talvez só por dever, sem empregar em toda aquela operação seu bom humor, sua desenvoltura de sempre.” (LEBLANC, 2022, p. 74)
“É preciso admitir que (Lupin e seus comparsas) não foram brilhantes e suas proezas não me tiraram nem um pouco do meu humilde caminho. O que quer? São pessoas que imaginam não ter adversários à altura. Quando encontram um que não se impressiona tanto, como eu (Daubrecq), a coisa muda, eles cometem um erro atrás do outro. E o pior é que se acham espertos. Uns amadores!” (LEBLANC, 2022, p. 239)
“Eram tantas as suas lágrimas que ele (Lupin) mal pôde terminar a leitura. Lágrimas de carinho, lágrimas de pena, lágrimas de tristeza. Não, ele não merecia tanta confiança. Tinha certamente feito coisas inacreditáveis, mas há situações em que nem isso basta, em que é preciso ser mais forte que o destino. E o destino, dessa vez, tinha sido mais forte.” (LEBLANC, 2022, p. 283)
“Entrego os pontos! – lamentou-se Lupin. – A derrota é inapelável.” (LEBLANC, 2022, p. 284)
Conclusão: para os fãs de romance policial
“A rolha de cristal” é uma aventura bastante interessante do famoso ladrão de casaca. Há muitas viradas na trama, o que deixa o leitor quase sem fôlego. É essencial para os fãs do gênero policial conhecer o anti-herói, se possível através da mídia audiovisual, pois a adaptação para a Netflix é muito bem feita, mantendo a essência do personagem, no belo cenário da Paris contemporânea, e também da literatura, já que a escrita de Maurice Lablanc cativa e mantém desperta a curiosidade do leitor.
Referência
LEBLANC, Maurice. A rolha de cristal. Tradução de Jorge Bastos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.
Créditos HL
A resenha acima é de autoria de Nicole Ayres, teve revisão de Evandro Pedro Konkel e edição de Mario Filipe Cavalcanti, Editor-chefe do Homo Literatus.