A Semana de 1922 revisitada

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A Semana de 1922 revisitada

Uma revisita à semana que, sob críticas e poucas repercussões, trilhou novos caminhos para a literatura e para a arte brasileira.

Movimento de uma elite ou ponto de virada da arte?

“A Semana de Arte Moderna não criou uma escola com regras, não impôs uma técnica, não formulou um código, mas formou uma consciência, um movimento libertador a integrar nosso pensamento e nossa arte na nossa paisagem, no espírito da nossa autêntica brasilidade.” (Menotti del Picchia)

Duzentos anos se passaram de nossa independência, e cem anos nos separam da tão propalada Semana de 1922. O que ela, tradicionalmente tida como ícone disparador do modernismo brasileiro, representou ou representa, cem anos depois, para a nossa cultura? Foi um embuste inventado por meia dúzia de representantes da elite pré-quatrocentona paulistana ou de fato marcou um ponto de virada, com vestígios mais que presentes até hoje na cultura e nas artes nacionais?

Conforme o podcast “Café da manhã”, da Folha de São Paulo, a Semana de Arte Moderna, apesar de ter durado apenas três dias (uma segunda, uma quarta e uma sexta-feira), foi suficiente para se tornar um marco para a arte e a cultura brasileira.

O contexto histórico

Em 1922, o Brasil comemorava os cem anos de independência de Portugal, mas, em suas cidades, sua moda, sua cultura e nas pessoas ainda reinava um ar que mimetizava a Europa – ou seja, o Brasil ainda não tinha sua cara, como pediria Cazuza no álbum “Ideologia”, de 1988:

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio
O nome do teu sócio
Confia em mim

Os chamados “primeiros modernistas” vinham com a proposta de, enfim, construir uma identidade nacional que misturasse tudo que tínhamos em termos de produção cultural, sem ignorar o que “vinha de fora”, e fazer um construto forte de nação.

Recentemente, o jornalista Miguel de Almeida finalizou uma série de 22 minidocumentários que fez parte da programação especial da TV Cultura pelo Centenário da Semana. Vale vê-los: curtos e objetivos, cada qual focando um aspecto do movimento. Também a HBO Max ofereceu a seus assinantes um especial, o “2022”, no qual vários ícones da música brasileira se apresentam com figuras representativas e nascentes da cultura. O resultado foi um mix de show e manifesto absolutamente emocionante.

Enfim, várias mídias estão divulgando especiais sobre o evento e sua herança; fala-se (bem e mal) da Semana pelas esquinas que adoram discutir cultura tupiniquim. Isso quer dizer que ela não foi algo insignificante para a cultura brasileira.

Mas, para privilegiar a contextualização histórica, antes de falar da Semana, preciso falar do que veio antes dela. Só duas coisas: o pré-modernismo e as tais vanguardas europeias.

O “Pré-modernismo” e seus artistas

Se formos delimitar o que se chama de “Pré-Modernismo”, o movimento estaria espremido entre 1902 e 1922. Explico essa delimitação temporal, mas antes quero falar algumas coisas sobre o termo: “pré-modernismo”.

Primeiro de tudo, “pré-modernismo” não pode ser considerado uma proposta estética, como foram, por exemplo, o romantismo, o realismo e outros que o precederam. Por quê? O período, na verdade, contou com alguns autores que, sem qualquer vinculação estética em comum, fizeram coisas semelhantes, mas não tinham um manifesto ou algo do gênero que os irmanasse para a produção de suas obras.

Em geral, conhecemos um grupo seleto de autores pré-modernos: Euclides de Cunha (autor de “Os sertões”), Lima Barreto (autor de um sem número de contos e crônicas, além de memórias e romances, dentre eles “Clara dos Anjos”, “O triste fim de Policarpo Quaresma” etc.), Monteiro Lobato (autor “cancelado” hoje por conta do racismo presente em trechos de algumas de suas obras, assunto que vale outra boa discussão), Graça Aranha (que veio a abrir o evento no Theatro Municipal de São Paulo em 1922) e Augusto dos Anjos (um poeta com vinculações naturalistas e simbolistas patentes, adorado por muitos jovens leitores, que se ajoelham quedados com os dois versos finais de seu poema “Versos íntimos”: “apedreja essa mão vil que te afaga / escarra nessa boca que te beija”).

Prós e contras do uso do termo “pré-modernismo”

Entretanto, se formos analisar as obras dos tais “pré-modernistas”, veremos que, cada um do seu jeito, tratou da literatura e de seus caminhos de forma diferente. Havia semelhanças? Sim: a linguagem, que anteciparia o modernismo e se mostraria mais ágil, jornalística, sem os rapapés parnasianos ou os apuros científicos dos realistas e naturalistas. Além da linguagem, o ponto de vista da narrativa se mostrou fundamental para que o público identificasse naqueles autores algo diferente. Em vez de um índio idealizado (como os românticos) ou uma realidade com cores fortes até demais (como no Naturalismo), as obras dos pré-modernistas apenas mostravam o mundo como ele era. E, sobretudo, a partir da ótica daqueles que sempre estiveram à margem das narrativas. Ou seja, seus protagonistas eram caboclos, pequenos funcionários públicos de pouca importância, assaltantes de baixa patente e negros. O Brasil mostrava a sua cara pela primeira vez na literatura.

Em segundo lugar: por que a delimitação histórica do Pré-Modernismo fica entre 1902 e 1922? Porque 1902 é a data de publicação de uma obra-prima: “Os sertões”, de Euclides da Cunha, que mistura magistralmente ficção com jornalismo de primeira. E, fechando o período, 1922 é a data em que os doidivanas paulistanos bagunçaram as certezas dos barões do café e afirmaram uma literatura que se vinculava ao mesmo tempo às vanguardas que haviam espoucado pela Europa e a uma brasilidade que, enfim, só cem anos depois da independência (1822) ameaçava se delinear.

Um período de transição

Em terceiro e último lugar, sempre desconfio de “prés” e “pós”. Se o período é chamado de pré-modernismo, seria justo afirmar que eles já sabiam que depois deles viria o Modernismo? Claro que não. Assim como atualmente alguns dizem estarmos vivendo o tal “pós-modernismo”, o que significa que o modernismo foi superado. Alguém tem certeza disso? Eu não. Portanto, voltando ao termo “pré-modernismo”: ele me incomoda, mas até hoje ninguém inventou um nome melhor para batizá-lo.

De qualquer forma, ele se caracterizou como um período de transição do cânone artístico, às vezes bebendo de românticos, parnasianos e simbolistas, outras antecipando propostas dos primeiros modernistas de 1922.

As vanguardas europeias da virada do século

Mas que vanguardas eram essas? Por que elas foram tão importantes e embaralharam a cabeça de tanta gente? Por que elas foram potentes na cabeça dos primeiros modernistas?

As vanguardas foram um conjunto de movimentos artísticos e culturais que movimentaram o cenário europeu no início do século XX: o cubismo, o futurismo, o expressionismo, o dadaísmo e o surrealismo. Talvez eu tenha deixado de citar algum “ismo”, mas deixemos assim. Rompendo com os modelos clássicos, que adotavam limites e regras para a arte, as vanguardas dialogavam com as mudanças que aconteciam na sociedade. Com a solidão dos grandes centros urbanos, com a afirmação do modo de produção capitalista e, portanto, com as novas formas de pensar e de sentir o mundo. Como os modernistas da Semana tinham condições financeiras de entrar em contato com tais movimentos, acabaram trazendo tais influências e modificando muita coisa do que viria a ser a produção modernista brasileira (em sua versão beta).

Filippo Marinetti

Portanto, trouxeram aquelas ideias da Europa, sobretudo o Futurismo, de Filippo Marinetti, que lançara um manifesto do Le Figaro, em fevereiro de 1909, logo seguido por outros artistas. Marinetti exaltava a tecnologia, as máquinas, a velocidade e o progresso, itens igualmente encampados pelos primeiros modernistas, que também cultuavam o futuro e rejeitavam muita coisa do passado, sobretudo as atitudes empoladas dos parnasianos — gloriosamente satirizadas no poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira, e mais tarde em capítulo de “Macunaíma”, de Mário de Andrade.

Ambiente propício

Tarsila do Amaral, uma das “primeiras modernistas” (suas obras estavam expostas na Semana, embora ela mesma estivesse ausente), conheceu a obra de Pablo Picasso, pintor espanhol, e foi influenciada por sua obra, à época cubista por excelência.

Portanto, o ambiente estava propício para a eclosão de algo diferente. Ainda não se sabia o quê.

Mas pelo menos uma coisa precisava acontecer para que aqueles jovens artistas se reunissem em três noites e alterassem para sempre o DNA da arte e da cultura brasileiras: a mudança do eixo cultural, do Rio, então capital da recém-República, para São Paulo, a capital “caipira” que cada vez mais concentrava cultura, poder e dinheiro, graças aos artistas que traziam novidades da Europa, aos barões do café e ao seu processo de industrialização. A vida cultural paulistana aos poucos se transformava.

Uma exposição polêmica e agregadora

Anita Malfatti, uma jovem pintora, voltava dos EUA, em 1917, com ideias estéticas bastante arrojadas para o que se fazia, tanto na “corte” quanto na antiga “capital caipira”. Sua exposição, em dezembro do mesmo ano, mostrava as influências das vanguardas europeias, sobretudo do cubismo e do expressionismo. As cores distantes das do mundo “real”, os traços grossos, a mistura entre figura e fundo e o distanciamento plástico da realidade mostravam a aproximação da artista das novas formas de enxergar e praticar a arte.

O Homem Amarelo (Anita Malfatti)

Obra mais comentada e famosa da pintora, “Homem Amarelo” retratava um homem cujos traços pouco podiam ser definidos, com cores fortes e indistinções.

Tudo isso provocou a ira do escritor e crítico literário Monteiro Lobato que, em famoso (e polêmico) artigo, intitulado “Paranoia ou mistificação?”, no jornal Estado de São Paulo, criticou duramente a artista, acusando-a de ver “anormalmente a natureza” e de interpretá-la “à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”.

Em bom português, o autor da série “Sítio do Picapau Amarelo” entornou o caldo. Mário de Andrade veio em defesa de Anita, em artigo no Jornal do Commercio, em que já se conseguia entrever alguns pontos cruciais que seriam defendidos na Semana de 22: negação do artificialismo na arte, das suas regras limitadoras e do conceito convencional de beleza artística. Todo esse quiproquó provocou a organização de alguns artistas (escritores, compositores, artistas plásticos) da elite paulistana em torno daqueles novos pilares estéticos, além de enfraquecer bastante a hegemonia carioca no que diz respeito às discussões artístico-estéticas da época. São Paulo, com seus barões e capitalistas industriais, aos poucos assumia um protagonismo nunca antes experimentado.

Uma semana de três noites

Aqueles artistas e intelectuais (Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti), que, no episódio narrado no bloco anterior, se viram aglutinados em torno da defesa de uma estética não convencional, viram que podiam, em paralelo à comemoração dos 100 anos de independência política do país, declarar uma espécie de independência estética e traçar novos rumos para a arte tupiniquim. Resolveram promover um evento de gala (afinal, aconteceu no Theatro Municipal, com a presença de boa parte da elite paulistana da época) em que suas obras fossem apresentadas.

Assim nasceu a ideia de promover a Semana de Arte Moderna.

Foi uma série de conferências, concertos e exposições, que contou, inclusive, com intelectuais e artistas cariocas entusiastas do movimento: Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira (que não compareceu, mas enviou um poema), Villa-Lobos, dentre outros.

Manuel Bandeira

O evento foi aberto na noite de 13 de fevereiro por Graça Aranha. A plateia, composta pela elite paulistana em peso, assistiu à palestra passivamente – o que não aconteceu no segundo dia, quando o tal caldo entornou.

No segundo dia, a plateia começou com vaias misturadas a vivas, o que motivou Menotti del Picchia, pouco afeito a contemporizações, a enfrentá-los. Isso ajudou a esquentar a fervura. Quando Ronald de Carvalho leu o poema de Manuel Bandeira, “Os sapos”, a confusão foi geral, e a noite terminou com insatisfações de lado a lado. Mas o pavio da dinamite para a explosão a ser provocada pela Semana de 22 já estava aceso.

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
(Trecho de “Os sapos”, de Manuel Bandeira)

O terceiro e último dia foi um calo incômodo: o compositor e maestro Heitor Villa-Lobos, por conta de um calo inflamado (isso mesmo, literalmente, não é figura de linguagem) entrou de casaca e sandálias. Se, no segundo dia, a plateia dividiu-se entre os que vaiaram e os que, animados, repetiam “foi, não foi” (acompanhando trecho do poema de Manuel Bandeira), esse incidente, entendido como atitude transgressora, levou muitos a saírem do salão, absurdados.

Repercussões

De imediato, a Semana de Arte Moderna de 1922 repercutiu bastante na imprensa em São Paulo, mas no resto do país foi tida como uma nota de página e nada alterou os modos de se praticar arte e literatura em terras tupiniquins. Embora, vale lembrar, tenha aberto os caminhos para que a modernidade adentrasse de uma vez por todas os salões da arte e da literatura brasileira. No dia seguinte, nos jornais fora de São Paulo, houve notas ou, no máximo, notícias que mais diminuíam que enlevavam o evento. Talvez por não terem entendido as propostas, talvez por elas terem sido pouco explicadas à época, talvez por se tratarem, à primeira vista, de um bando de garotos de vinte anos “imaginando que reinventavam a roda” da arte brasileira. Mas reinventaram mesmo, à sua moda.

Um dos pontos mais fundamentais para o que se pode chamar de “projeto do modernismo brasileiro” está o de abrasileirar as artes e a cultura, desatrelando-as da matriz europeia. Afinal, uma pátria nova merece uma cultura sua, uma língua sua (o português brasileiro, que até hoje é apenas chamado de “brasileiro” pelos portugueses – “Minha pátria é minha língua”, berraria décadas mais tarde Caetano Veloso em sua brilhante “Língua”), um jeito de olhar o mundo seu, enfim.

Assim, alguns podem argumentar que a Semana de Arte Moderna foi um movimento da elite para a elite (por exemplo, não havia ali nenhum ou nenhuma artista de pele negra), mas, com o passar dos anos, repercutiu, e muito, em todos os grotões do país, tornando-se um tipo de mito de origem da moderna cultura brasileira. O que daí emerge é que a Semana foi um marco para a modernidade nacional.

Outros Modernismos

Mas agora vamos falar de outra ótica.

Sem abalar a importância da Semana, antes dela houve manifestações artísticas importantes no Brasil – antes de 1922 e também fora de São Paulo –, o que leva a crer que a “história única” do Modernismo brasileiro (aquela presente nos livros, que afirma que ele nasceu na Semana) ofusca contradições do movimento e esconde fenômenos artísticos que vinham eclodindo em outras partes do país. Essa história seria tão falsa quanto a ideia de que os portugueses “descobriram” o Brasil – em vez disso, eles o invadiram, certo?

Ruy Castro, autor de “Metrópole à beira-mar”, afirma que o Rio de Janeiro era moderno bem antes do movimento modernista, pois se tratava de uma metrópole ligada às artes que se praticavam mundo afora. Outras manifestações de cunho moderno espoucavam país adentro. Em Minas Gerais (Revista Verde), no Rio Grande do Sul, no norte (Associação dos Novos) e no nordeste (Revista Cigarra) surgia uma miríade de publicações e associações que traziam autores e obras ditas “modernas”, o que nos faz indagar a unipolaridade de São Paulo para o que entendemos como modernismo nacional. Muitos críticos, calcados nessa quantidade de produções artísticas deslocadas do eixo paulista, afirmam que haviam modernismos, não apenas um modernismo.

Outras repercussões e discussões

Rafael Cardoso, autor do livro “Modernidade em preto e branco: Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945” reitera essa proposta e afirma que os ditames da Semana passaram a repercutir nacionalmente só a partir de 1924-25. A partir de 1930, “reinventa-se” a Semana, que passa a ser considerada fundamental para a cultura pela grande imprensa. Antes disso, ela repercutia em círculos fechados de intelectuais e artistas, tais como Mário de Andrade, Drummond e Ronald de Carvalho, que se correspondiam e faziam aquelas ideias circularem.

Mas é só em 1945 que a Semana é revigorada, muito graças ao grupo Clima. Intelectuais, muitos egressos da USP, que formaram um time de críticos de arte e de literatura de dar inveja, como Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Paulo Emilio Gomes, dentre outros, que reconstruíram a narrativa da modernidade brasileira. Aos poucos, a importância da Semana ameaçou decair, até ser revista pelos tropicalistas e pela Ditadura brasileira (1964-1985), que a afirmou, não sem razão, como um movimento de afirmação da nacionalidade.

Então, a Semana passou a ser reinterpretada como verdadeiro marco fundador da arte e da cultura brasileira. É a partir dessa reinterpretação que, em fins da década de 1960, surge a Tropicália, movimento musical que traz, em cores fortes, muitas das propostas daqueles primeiros modernistas.

Vejamos o trecho inicial de “Geleia Geral”, de Gilberto Gil:

Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia

Vejamos também este trecho de um texto de José Miguel Wisnik, criticando a centralidade do movimento paulista para a modernidade tupiniquim, mas elegendo-a corretamente como um movimento importante para o reconhecimento da identidade verdadeiramente nacional:

Restrita em grande parte, na sua época, aos contornos paulistas, com o tempo a Semana tornou-se uma referência histórica, uma data reverencial e um mito de origem, consolidando-se depois como marco da vida brasileira no século 20.
Profanação do templo da cultura burguesa tradicional sem deixar de ser uma cerimônia de elite, autopublicitária já na origem, como costumavam ser as manifestações da vanguarda artística europeia que ela emulava, sem imitá-las à risca, a Semana recebeu na altura dos seus 50 anos (1972) outras camadas de consagração institucional que incitam, por sua vez, ao desmanche de sua mitologia.

Conclusão

A pergunta é: os usos da Semana de Arte Moderna, ao longo da história, positivos ou negativos, tornam-na mais ou menos importante? Não.

A Semana foi essencial por elencar uma série de propostas estéticas que estariam no horizonte de criação da arte brasileira e que seriam trabalhadas por artistas que viam o Brasil como um país a ser reinventado por si mesmo, anexando à então monolítica matriz branca europeia a matriz de origem indígena e a afrobrasileira.

A tríade cultural — os brancos, os pretos e os índios — seria considerada por Darcy Ribeiro em suas obras como a real fundadora da moderna brasilidade. E, mesmo que, na origem, os primeiros modernistas tivessem uma ideia vagamente folclorizada das tais matrizes não europeias, o movimento contribuiu certamente para que essa discussão fosse feita e para que hoje artistas como Eliana Alvez Cruz, Cristino Wapichana, Ailton Krenak, Emicida ou Mano Brown aparecessem na mais hegemônica das redes televisivas tupiniquins como portadores de uma cultura fundamental para a compreensão de nosso país. O Brasil, então, pôde se considerar um lugar de trocas identitárias verdadeiras, embora conflitantes e não equânimes.

Créditos HL

Esse texto é de João Peçanha, teve revisão de Raphael Alves e edição de Nicole Ayres, editora assistente do Homo Literatus.

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