O que há de interessante e novo em A verdade sobre o caso Harry Quebert?
Enquanto A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, lançado em 2012, dividia a opinião dos críticos entre grande leitura e suspense morno fácil de esquecer, o thriller seguia sendo traduzido em 32 países. Dois anos mais tarde, em 2014, Jöel Dicker visitava o Flip no Brasil sendo aclamado como o jovem encantador e talentoso, autor de um best-seller. Se descabelavam então os críticos por não entender o segredo dos prêmios doados ao livro. Até ali, vencera o Grand Prix du Roman de l’Académie française em 2012 e se aproximara da final do Prêmio Goncourt e do Prêmio Femina. Vendera milhares de cópias e notoriamente revirava o mundo literário.
E a que se atribui tamanha fama repentina? O que pretendiam nos mostrar as análises dúbias publicadas nas mais diversas fontes internacionais? A concepção de uma obra ideal ultrapassava, então, os limites de um gênero e trazia à tona uma série de questionamentos sobre o momento comercial dos livros que estávamos vivendo? Jöel Dicker, pueril do ponto de vista analítico, gozava de uma honra não merecida?
O leitor, mesmo que carregando o sentimento de incerteza, ou por outro lado, abismado e apaixonado pelas interligações que o narrador acabara de fazer consigo, não deixava de afirmar: a sequência dos fatos, a ordem dos tempos, o enredo estritamente ajustado, a amplitude de assuntos, o questionamento moral de si e dos personagens caracterizavam certeiramente um thriller clássico. E é nessa região que habita, novamente, o desespero. A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert é mais um bom roteiro de suspense unido aos fatos densos e perigosos de um decorrer ligeiro da trama. Ora, o que esperavam então, senão um thriller fielmente disposto?
É a fobia dos clichês. É a repulsa do retorno dos padrões. Pois pragmaticamente, quando desejam os consumidores apreciar um romance tal como Goethe nos fez vislumbrar, e desejando ainda que essa sua obra seja cá dos anos 2000 em diante (transposta aos costumes modernos), seguramente buscarão ler qualquer das publicações de Nicholas Sparks. E é sublime suas expressões quando acabam a leitura, sentem-se completos, realizados, como se o autor soubesse exatamente do seus quereres. E sabia. Imparcialmente sabia. Até pretendia causar tais reações. Ele, o criador, curador das informações publicadas, decidiu — e não cabe a ninguém questionar-lhe da escolha já lograda — que narraria ao seu modo, ao seu jeito, um tal gênero existente — pela identidade dos fatos — e já reconhecida — por sua perpetuação. E era essa a fórmula não encontrada que descabelavam os críticos.
O mal desses, não digo todos, pois mais à frente emitirei meu louvor à profissão, mas ao menos esses novatos na imprensa opinativa, é esperar a cada dia, quando as editoras revelam seus próximos lançamentos, obras totalmente revolucionárias, que além de virem com uma estrutura, uma narrativa e uma fórmula nunca antes vista desde a invenção da escrita, mudem a si mesmos como críticos nunca saciados. Eles, ainda sobre os novatos, acreditam numa transição constante dos gêneros literários, numa indefinição infinita de suas características, criando um ódio mortal aos modelos clássicos, repudiando quaisquer nomes que os remetem a esse tipo.
Rebatem eles, justificando, que tais obras enchem as prateleiras de futilidades. Numa tréplica, aponto eu com mais crivo, de que o que enche as prateleiras de futilidades são aquelas que, sem contexto algum, ousam desrespeitar a arte da escrita, a literatura como um todo, midiaticamente publicando informações que não cabem num livro, muito mesmo em vídeos. Contudo, eles o fazem.
O crítico, conservador ou progressista, deve assinar um tratado de nunca confundir técnica com desenvolvimento, no sentido poético da palavra. O bom desenvolvimento para o escritor são as palavras bem dispostas, o entrelaço dos relatos, uma boa transcrição de seus pensamentos e intentos, de forma que a obra se torne parte dele. E somente ao autor é que a obra deve revolucionar. E não as milhares de cabeças desiguais, que para cada uma delas habita seus modos de interpretação. O escritor não escreve para ser lido, escreve para ser entendido, explica Jöel em A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert.
Os críticos, com suas respectivas formações acadêmicas, devem analisar cada obra tal qual como lhes ensinaram a fazer, se negando a fazer analogias como ‘leitura de banheiro’ ou ‘um lixo’. Isso fere o profissionalismo e rebaixa a honra de todos os outros críticos que marcaram nosso progresso brasileiro das letras. E é aqui que, com muito honradez, cito os nomes de Antônio Cândido, Wilson Martins, Sílvio Romero, José Veríssimo, entre outros.
Pois bem. Dito isso, é mais fácil compreender o sucesso do jovem Jöel. Ele alcançou, equilibradamente, a tensão e a excitação bem pedida num suspense. Ele guardou talentosamente para o final os desfechos idealizados. Ele abordou, habilidosamente, temas diversos, polêmicos e estimulantes. Ele inovou, mesmo com características clássicas, a construção de um centro narrativo moderno: os próprios escritores. Ele fez, sim, um bom e velho thriller.
Aos receptores dessa mensagem, sugiro bondosamente que criem suas próprias ideologias de avaliação. E que, sobretudo, leiam: com respeito, com a gostosa curiosidade de quem lê. E, de resto, que sejam críticos, entretanto, humanizados.