Acho Clarice uma chata

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Com o devido respeito, Clarice Lispector não está no meu panteão

Precisa dizer quem é?
Precisa dizer quem é?

“Não gosto da Clarice [Lispector], acho ela uma chata”. Eu tinha ido a um evento em uma escola daqui de Curitiba, lançamento de novos projetos ligados a literatura, entrega de diplomas e nobres desculpas para reecontrar amigos e amigas. Cheguei na escola e cumprimentei os comparsas de crime literário, pois quando se está em um evento desses por aqui é fácil ser notado por uma terceira pessoa enquanto conversa com uma segunda, às vezes conhecidas e amigas entre si, e você emenda conversa com a recém-chegada enquanto a sua companhia inicial sai para cumprimentar outra – ou apenas reabastecer o café e a cerveja, dá na mesma.

De papo a outro, reencontrei uma amiga, que tinha sido cliente da livraria onde trabalhei por um ano e meio. Um pouco de saudade daquele tempo, os projetos iniciados por lá e seus caminhos, ‘tá fazendo o que agora’. Um dos andares da mencionada escola cedeu espaço a comerciantes de nicho, sendo que uma dupla preencheu mesas com camisetas e posteres de ícones literários.

Apesar do meu repertório não ser tão bom quanto eu gostaria (nunca será), reconheci algumas das referências: Crime e Castigo, O Velho e o Mar, autor que nem sei direito quem foi e conheço de nome porque amigos meus vivem a falar disso, e a tia Clarice, amada do nosso público brazuca. Se lembro bem da estampa, era meio chapada, mais ou menos como aquelas hoje famosas montagens com a Marilyn Monroe; esteticamente bem feito e sei que amigos e amigas minhas amariam ter aquilo na parede do quarto e, na hipótese mais doida, fariam do poster um mini altar de Madame Lispector.

E a minha amiga disparou: “não gosto da Clarice, acho ela uma chata”. Não em voz alta nem com intenção de diminuir o produto exposto, apenas me falou essa (e se ler essa minha crônica um dia, sinto muito – não peço permissão quando referencio meus próximos. Peço que relaxe, o texto é inofensivo). Não vi nada de ofensivo nem extraordinário nisso. Li algo sobre autora e obra e conheço um pouco da mitologia em torno dela. Mas, com o devido respeito, ela não está no meu panteão.


Não acho ruim. Apenas não me sinto cativado pela produção dela, não é minha linguagem nem meu terreno. “Ela é importante ainda hoje”, etc., também sei. Não nego a importância dela à nossa literatura e produção sobre literatura, mas em níveis pessoais (às vezes mais autênticos que arroubos intelectuais) esta estrela não tem hora comigo. Troquemos de autor por um momento.

Se em vez da Clarice fosse o James Joyce na camiseta, talvez eu me empolgasse bem mais e ouvisse de um amigo ou amiga minha “não aguento esse cara” e prováveis elogios à mãe dele. Claro que o Joyce é um caso muito à parte graças ao Ulysses, pois fez questão de dizer muito escrevendo igualmente muito. Guardo boas lembranças da experiência de ter atravessado essa odisseia, que considero menos intimidadora e difícil do que dizem, é apenas uma grande narrativa simples contada em uma bagunça estética – o difícil é encontrar quem tope o jogo. Se entendi um terço das entrelinhas do Ulysses foi muito, e não estou preocupado com o resto – talvez quem goste da Lispector sinta algo parecido e releia as paginas dela como desculpa para (re)descobrir outra paixão.


Enquanto leitores, mudam-se as manias e até paranoias, às vezes agradando – embora quase certeza que não – ao se falar de autor clássico à nossa época, e ao mesmo tempo em que se demonstra importância dada à obra também se põe autor e obra em um pedestal à espera da nossa adoração, como se devêssemos gostar de todos os cânones. Como se tal utopia fosse possível, às vezes é justo o estudo sobre tal autor que nos afasta, ou então cada um precisa de um tempo muito particular para criar um vínculo. Talvez seja devaneio deste cronista e nem importe, pois o cara que fabrica os posters e camisetas vende igual para todos.

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